Dez livros para comprar na Feira
Livro seis: Quem Disser o Contrário é Porque Tem Razão, de Mário de Carvalho
Edição Porto Editora, 2015
275 páginas
Confesso-vos: este é um dos livros que mais prazer me proporcionaram no último ano. Tem todos os atributos a que Mário de Carvalho já nos habituou, desde logo na sua ficção, e um suplemento de originalidade que suplanta as nossas melhores expectativas.
Quem Disser o Contrário é Porque Tem Razão – o título é um verdadeiro achado – aparenta ser um manual de escrita de ficção, destinado àqueles que sonham ser romancistas. Quase em jeito de paródia desses opúsculos de “escrita criativa” que pululam no nosso mercado editorial e se propõem transformar água em vinho como Jesus nas bodas de Caná.
Geralmente, as aparências iludem. Mas Mário de Carvalho leva a tarefa a sério. Sem, contudo, se levar demasiado a sério, o que aliás é característico da sua forma de estar. Na vida e na literatura.
O que nos oferece então? Numa espécie de diálogo permanente com o leitor, em capítulos polvilhados de suave ironia, discorre com vagar sobre os desafios da escrita e a capacidade que ela tem para nos transformar por dentro: «A boa literatura liberta.» Tendo a precaução de nos alertar que «boa parte dos grandes romances cimeiros da história da literatura começaram por ser publicados, periodicamente, em folhetim». Eis outra forma de nos confidenciar que estas empreitadas não são irrealizáveis, como às vezes parecem.
De caminho vai-nos falando um pouco de si próprio, dos seus gostos (e alguns desgostos) literários. Sem prosápia de erudito nem a menor tentativa de nos iludir com assomos de sabença postiça, estabelecendo uma singular relação de cumplicidade com quem o acompanha, parágrafo após parágrafo.
Nem sempre parece, mas é um ensaio – aliás justamente galardoado com o Prémio PEN Clube de Ensaio em 2015. No fim, podemos continuar sem saber ao certo como escrever um romance, mas adquirimos a noção exacta de tudo quanto não devemos fazer para concretizar tal meta. E ficamos gratos ao autor por nos ter fornecido excelentes pistas de leitura. Eis a lição fundamental: para escrever bem há que consagrar muitas horas à leitura.
Ler Mário de Carvalho, por exemplo: é um dos raros que conseguem conciliar a densidade do tema com a leveza do estilo. Tendo sempre atenção às minudências. De resto, como sublinha, «o pormenor é essencial em literatura». Aprendam com ele.
Sugestão 6 de 2016:
Axilas e Outras Histórias Indecorosas, de Rubem Fonseca (Sextante)
Sugestão 6 de 2017:
O Tesouro, de Selma Lagerlöf (Cavalo de Ferro)