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Delito de Opinião

Deslumbramento (VI)

João André, 29.08.22

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Sinceramente pensei que tivesse acabado com este tema, mas nos últimos meses tornou-se difícil fazê-lo com a quantidade e qualidade de actividade que existe no campo da astronimia, astrofísica e simples exploração espacial. O Webb continua a enviar dados e mais recentemente recebemos as imagens mais detalhadas de sempre de Júpiter. Estas imagens, mais uma vez, não são as que veríamos com um telescópio normal ou se estivéssemos perto de Júpiter. Neste caso o mais espantoso - para mim - foi o facto de as imagens não terem sido produzidas pela NASA ou ESA ou outros cientistas, mas por uma pessoa "normal", sem treino específico em ciência. As imagens do Webb estão geralmente disponíveiis para o público em geral as poder analisar e tratar e foi precisamente isso que Judy Schmidt, uma cientista amadora (minha tradução para "citizen scientist") fez com as imagens de Júpiter. Ela pegou nas múltiplas imagens a comprimentos de onda distintos e que focavam zonas diferentes de Júpiter para criar a imagem de cima em cor falsa.

O espantoso da imagem é que as cores são bastante distintas daquilo que esperaríamos. A Grande Mancha Vermelha de Júpiter, a tal tempestade capaz de engolir a Terra e que continua desde há séculos, aparece não como vermelha mas como branca. Isso é porque nesta imagem, as cores mais claras correspondem a zonas que reflectem muito a luz solar, geralmente regiões de maior altitude na atmosfera de Júpiter (lógico, quanto mais baixa uma região, mais a luz tem que passar por outros gases e mais da luz será absorvida). A Grande Mancha Vermelha é então uma região de elevada altitude na atmosfera e que reflecte muita luz, por isso aparece branca.

Outra coisa que salta à vista é a presença das auroras nos pólos norte e sul do planeta, que neste caso aparecem com a aura vermelha ou alaranjada. Neste caso a altitude é considerável, mas a aurora não reflecte a luz, antes resulta de outro fenómeno, por isso não aparece como branca. É para mim uma imagem fantástica que, não tendo a especificidade das imagens do Hubble de 2014, conferem a Júpiter uma aparência quase espectral e etérea que me fascina.

A imagem acima permite ainda ver formações atmosféricas mais escuras que estarão a uma altitude muito mais baixa do que qualquer outra que tenhamos visto no passado (ou a uma maior profundidade de observação, depende da perspectiva) e tem obviamente uma resolução superior a qualquer outra coisa que vimos no passado. Há no entanto outra imagem fantástica a adicionar, para a qual Judy Schmidt colaborou com Ricardo Hueso, um investigador na Universidade do País Basco (mas ao que parece tudo a título privado). Essa imagem, abaixo, mostra Júpiter a uma maior distância mas de tal forma que é possível ver os seus anéis bem como alguns dos satélites menos conhecidos do planeta.

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Nesta imagem, vemos os anéis (não é só Saturno que os tem) a estenderem-se um pouco para lá do planeta e dois dos satélites, os minúsculos Amalteia e Adrasteia (não, também não os conhecia). O primeiro tem um diâmetro de cerca de 160 km e o segundo de apenas 16 km. São essencialmente rochas grandes que foram capturadas por Júpiter sendo que o segundo, que aparece no limite do anel de Júpiter, é considerado como o maior contribuinte de material para o anel. Adrasteia foi descoberto apenas aquando da passagem da Voyager 2, mas Amalteia foi descoberto ainda no século XIX por telescópios na superfície do nosso planeta, o que demonstra a incrível capacidade de análise de dados dos cientistas espaciais (para comparação, seria o mesmo que observar um grâo de areia a cerca de 7 km de distância).

Também se podem ver outras galáxias à distância na imagem (os pontos mais desfocados) e outras impressões deixadas pelas auroras e por Io, um dos satélites galileanos de Júpiter (assim chamados porque foram descobertos por Galileu, sendo os outros Europa, Ganímedes e Calisto). Falei de Io no último post, mas Ganímedes e Europa são também interessantes, até porque são vistos como tendo um potencial elevado para procurar vida. Ganímedes é também interessante porque é bastante grande, é o nono maior objecto do Sistema Solar, incluindo o Sol (maior que Mercúrio mas com menos massa) e é o único satélite com um campo magnético. Ganímedes, tal como Europa, têm uma superfície gelada com o que se imagina ser um oceano líquido por baixo da espessa camada de gelo à superfície. Como, tal como Io, estão sujeitos às pressões causadas pela gravidade de Júpiter, imagina-se que possam ter um interior magmático e que possa permitir a presença de vida junto a fontes hidrotermais tal como na Terra (também referidas no último post). Esta última imagem pode ser vista com algumas anotações aqui em baixo.

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Por hoje é tudo, mas já não desconto a possibilidade de aqui retornar. Talvez até para falar das missões Artémis, cuja primeira estava prevista para ser lançada hoje mas foi adiada para quarta-feira. A ver vamos se esta série continua. Para já, fica o link para a informação (muito simplificada) sobre a Cartwheel Galaxy, cujas imagens dão um detalhe que (mais uma vez), ainda não tínhamos visto. Mas fica para outra vez.

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