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Delito de Opinião

Demagogia salarial

João André, 20.01.16

O nosso José António Abreu fez abaixo um post demagógico acerca da diferença de salários médios entre público e privado. Digo que é demagógico não porque o JAA seja um demagogo, mas porque escrever o que escreveu, sem falar em mais nada (mesmo que invocando razões com que se possa discordar) é demagogia pura. Seria o mesmo que eu escrever que os CEOs portugueses ganham "x" vezes mais que o Presidente da República para indicar o mal que se paga aos titulares dos cargos públicos. Se queremos abordar o tema, temos que o fazer pelo lado da interpretação, caso contrário parecemos novos Grillos.

 

O primeiro ponto é simples: no público os trabalhadores têm qualificações superiores ao privado. Não sei valores actuais, mas sei que há uns 5 anos os trabalhadores com formação superior eram 10% no privado e 50% no público. A média europeia dos ganhos salariais por ano extra de educação superior é de cerca de 10%. Com cursos entre 3 e 5 anos, pode-se esperar que a formação superior traga benefícios salariais de 40%. Se aplicarmos um peso de 50% desta componente ao público (20% aumento em vez de 40%) para 50% dos trabalhadores, temos que explica cerca de metade do diferencial (1140 € - Privado; 1140 x 120% = 1368 €).

 

O segundo ponto volta às qualificações, mas no outro lado do espectro. Se o sector público terá mais tendência a empregar pessoas com qualificações superiores, também empregará menos com qualificações abaixo da escolaridade mínima. Aqui não tenho valores, mas posso facilmente imaginar que os trabalhadores com a 4ª classe ou um ensino secundário incompleto serão muito mais facilmente empregados como empregados fabris, lavadores de pratos ou terão outras funções não qualificadas que os do público. Isto aumentará também o diferencial.

 

Por último há um aspecto importante: o simples facto de existir este diferencial não significa que deva ser abatido pelo lado do público, como o JAA implicitamente sugere. Poderá não ter sido a sua intenção, mas ao escrever como o fez, dá a entender que o que está mal é o salário público, não o privado. Nos comentários fala da asfixia do sector público ao privado, o que vejo como um disparate em si. Há de facto uma enorme lacuna na legislação em Portugal que permita ao privado poder desenvolver-se, mas o público não asfixia o privado, antes o estimula (pelo menos alguns actores do mesmo) em relações muito pouco saudáveis.

 

Eu gostaria muito de ver o diferencial a desaparecer, mas pelo lado do aumento do salário do privado. Para tal é necessária legislação mas também mudança das mentalidades canhestras dos empresários portugueses. Enquanto continuarem a ver pessoas com formação superior como tipos a quem têm de pagar mais; mulheres como aquela gente que vai ter de ir parir; e os trabalhadores em geral como "colaboradores", o diferencial continuará a existir. E os rendimentos (não necessariamente sob a forma de salários) mais elevados continuarão a existir no lado do privado. E aqui os diferenciais não se medirão em um salário mínimo.

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