DELITO há dez anos
José António Abreu: «Lucinda Williams manteve-se sempre ligeiramente na sombra de outros nomes da country, nunca tendo atingido o estatuto de estrela. A partir de certa altura, esse estatuto também já não seria adequado, uma vez que a música dela se espraiou em direcção aos outros géneros tipicamente americanos. Down Where the Spirit Meets the Bone é um álbum duplo com 20 temas e mais de uma centena de minutos, facto só por si assinalável numa época em que muitos álbuns não atingem os trinta. Não tem propriamente surpresas mas inclui rock clássico, country-soul, blues em que se sente a humidade dos pântanos do Louisiana. E a voz rouca de Lucinda, que nunca foi especialmente forte mas exsuda genuinidade e experiência de vida.»
Luís Naves: «A exclusão da Frente Nacional de uma manifestação de unidade em França é um bom exemplo da crise de legitimidade que cresce nas democracias liberais e que, a prazo, ameaça tornar-se numa rebelião populista capaz de se transformar numa crise das próprias democracias. Embora esteja em estado de choque pelo brutal atentado de Paris, a elite política francesa parece incapaz de realizar uma simples manifestação onde participem todos os partidos. A exclusão da Frente Nacional é na realidade uma bofetada a um quarto do eleitorado.»
Teresa Ribeiro: «Apesar de se terem levantado vozes do islão moderado a condenar formalmente o massacre do Charlie Hebdo, a percepção que fica é que estas comunidades se comportam como se não fossem também directamente visadas. No mar de indignação que se gerou um pouco por todo o mundo livre, os seus protestos diluem-se, fininhos. É um erro que vão pagar caro. Os atentados a mesquitas não vão ficar por aqui e a intolerância religiosa vai desabrochar na Europa como uma flor que bem podem começar já a pôr na lapela.»
Eu: «Deixemo-nos de lirismos beatíficos: é inequívoco que vivemos tempos de fracturas essenciais. Temos contra nós - e no meio de nós - quem presta tributo à barbárie aproveitando as debilidades do sistema democrático ocidental, que por vocação é capaz de integrar sem estigmas até aqueles que estão mais determinados em destruí-lo. Não somos todos "Charlie".»