DELITO há dez anos
Luís Naves: «Existe, de facto, um clima de medo, e acredito que na sociedade francesa isso seja particularmente forte: não é por acaso que, à medida que aumentam as clivagens religiosas, a Frente Nacional tem votações crescentes. O contemporâneo medo económico, ou seja, o medo de perder o emprego, o que levará a prazo a um sentimento de humilhação, é uma das forças que criam o contexto necessário para a histeria. O outro vector pode ser a fragmentação dos media e o aparecimento de informação não filtrada por profissionais e que prolifera nas redes sociais, sobretudo no Facebook. Ontem, circulou uma notícia falsa, que os autores reclamavam ter sido sancionada pela NASA, e que provocou certo pânico. (...) Não é preciso muito esforço para criar um clima eficaz de fim de mundo iminente. Não sei se os palhaços são um sinal do mal-estar civilizacional que acompanha as grandes mudanças, mas atrevo-me a pensar que vivemos num desses momentos: a aceleração do mundo excita as imaginações e o medo pode ser a ferramenta mais útil para travar certas mudanças.»
Eu: «Repare-se na linguagem tantas vezes adoptada para descrever os bárbaros assassínios de jornalistas, decapitados a sangue-frio depois de serem forçados a confessar aquilo que não pensam e noutras circunstâncias jamais diriam: foram "executados", proclamam vozes neutrais na televisão, sem um assomo visível de indignação cívica. Fosse outro o contexto, fossem outros os algozes, falar-se-ia em crime, chacina, massacre. "Execução" tem uma conotação burocrática, quase legal, quase consentida, quase compreensível. O primeiro erro, aliás, é chamar Estado Islâmico a um movimento inorgânico que utiliza a bandeira do islão como mero pretexto para dar largas ao mais básico instinto sanguinário. Um bando de pistoleiros, mesmo vasto e bem armado, não pode confundir-se com Estado algum. E nenhuma religião deve caucionar a violência homicida, aliás cometida em larga medida, neste caso, contra os próprios irmãos de fé.»