DELITO há dez anos
José António Abreu: «Tem vinte e poucos anos. Ainda que apenas se dirija à janela para ver se chove, tende a caminhar em passo rápido, ligeiramente inclinada para a frente, como que guiada por uma ideia súbita que receia ter tido demasiado tarde. Pergunto-lhe: "Alguma vez viste um filme de Jacques Tati? Monsieur Hulot?" Reage com uma expressão de espanto. Desconhece os nomes. "Era muito mais velho, muito menos bonito e muito mais desastrado do que tu mas lembrei-me dele, ao ver-te caminhar." A expressão de confusão no rosto dela intensifica-se. Está desconfiada. Sorrio. Digo: "Hei-de trazer-te o ‘Mon Oncle’." Quando já não se tem idade para acalentar esperanças de desempenhar outros papéis, resta o de Pigmalião. Ou parte dele. A parte, ligeiramente inglória, ligeiramente ridícula, que exclui a recompensa final.»
Luís Naves: «O PSD tem feridas insuperáveis, ódios que, mais tarde ou mais cedo, darão origem a uma purga ou à divisão permanente deste partido. Durante a grande crise houve uma cronologia de pré-falência, resgate, protectorado, austeridade, desistência, pântano e inicia-se provavelmente um novo ciclo de delírio, que pode ser longo ou curto, dependendo da dimensão das miragens que nos forem apresentadas.»