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Delito de Opinião

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 21.07.23

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Leonor Barros: «Não há nada tão determinante num livro como as primeiras linhas ou as primeiras páginas. Em tempo de esbulho e saque e com o inevitável ajustamento das minhas finanças o exercício que faço para me decidir se o livro é merecedor dos euros sobejantes é o de ler o primeiro parágrafo. Quando pedi o livro emprestado o aviso foi peremptório Essas primeiras cenas são horríveis. E eram. E são. Escritas com um enorme realismo e sem pudores bacocos oscilamos entre parar ali ou ultrapassar aqueles primeiros horrores para acompanhar Jorge. Resolvi acompanhá-lo. Até agora não me arrependi.»

 

Luís Menezes Leitão: «Há longos anos, quando era estudante da Faculdade de Direito de Lisboa, a respectiva Associação Académica resolveu chamar todos os anunciados candidatos às eleições presidenciais para que discutissem com os estudantes as suas propostas. Surgiram assim inúmeros candidatos folclóricos, um dos quais aliás era comerciante de queijo da Serra, o que o tornou conhecido como o candidato do queijo da Serra. Mas o candidato que achei mais pitoresco foi um que anunciou vir defender o reforço dos poderes do Presidente da República até ao absoluto. O folheto de propaganda eleitoral que distribuiu continha mesmo um projecto de revisão constitucional e o candidato apresentava-se com o slogan: "Um Presidente para governar".»

 

Teresa Ribeiro: «Em criança viajava imenso, pensou molemente enquanto perturbava o sono do gato com a ponta do lápis. Sempre sozinha no meio de adultos, que remédio tinha senão voar para longe. O torpor da canícula, o zumbido das moscas, as conversas aborrecidas dos crescidos, empurravam-na docemente até às copas das árvores quando se deitava no chão de papo para o ar. Daí partia para o seu mundo. A pata traseira do gato estremeceu. Apeteceu-lhe acordá-lo mas não que ficasse acordado, a exigir-lhe atenção. Suspendeu a tortura e ficou a vê-lo suspirar sonhos de gatinho. Reparou então na pilha de roupa, no monte de jornais e na desordem geral, tão inquisitiva. Não. Mesmo sem dinheiro iria de férias.»

 

Eu: «É destes livros que ficaram pelo caminho que me proponho falar aqui, todas as semanas. Cada caso é um caso. Mas é destes pequenos caprichos do destino, destes encontros e desencontros com as obras mais diversas, que se vai fazendo também o nosso percurso enquanto leitores - tantas vezes marcado por felizes ou desditosos acasos. E - não esqueçamos - há ainda aqueles livros que têm precisamente a vocação de serem lidos vagarosamente, duas páginas hoje, três páginas depois de amanhã. Sem pressas, sem promessas antecipadas de alguma vez chegarmos a conhecê-los por inteiro. De tudo isto se faz a leitura. E é também por isto que ler é tão bom afinal.»