DELITO há dez anos
Alexandre Carvalho da Silveira: «A gastronomia portuguesa está mais pobre: morreu no dia 26 de Maio Gabriel Fialho, do Fialho de Évora, grande amigo de quase 50 anos, guardião e grande divulgador da Gastronomia Alentejana. O Gabriel, que passou mais de sessenta anos a trabalhar no Fialho, estava doente há uns dois ou três anos. O Masterchef do Céu resolveu chamá-lo, poupando-o a ele e à Familia, principalmente à sua Zefinha, a um grande sofrimento. Fica a saudade de um Amigo que proporcionou vezes sem conta, a mim e a outros amigos, momentos gastronómicos únicos.»
Patrícia Reis: «A multidão aperta-se para ver os saldos na Praça Leya, há fila para os gelados e um senhor que teima em passear um cão minúsculo que, decerto, não sairá dali mais culto. Aflito? Isso é fatal. O desgraçado do bicho é mínimo e encara os homens e as mulheres, as crianças que podem - por ser dia da criança - comprar um livro. Baratinho, diz uma mãe. Depois fica para lá e dizes que lês e nunca lês, acrescenta naquele tom que certas mães têm, um tom que é o poder de desprezar as crianças. Mais tarde, num suspiro, dirá a uma amiga enquanto faz a manutenção das unhas de gel que o marido acha que custam 10 euros, quando custam 35: Fiz tudo para que o meu filho fosse um leitor..»
Teresa Ribeiro: «Sorriu ao imaginá-la a esgrimir contra o desejo. Conhecia-lhe os hábitos: "A esta hora ainda não foi dormir de certeza". Remexeu-se no sofá, ansioso: "Deve estar a pensar o que há-de responder". Ah, como ele gostaria de voltar a sentir aquelas unhas nas costas. Estava tão absorto que se sobressaltou quando o telemóvel começou a vibrar. "É ela! As mulheres não resistem a este género de surpresas". A confirmação das suas expectativas fê-lo evoluir da excitação para a ternura: "Que saudades de ver aparecer aquele nome no ecrã!" Abriu a mensagem sem pressa, para saborear o momento. Em maiúsculas lia-se: V A I MORRER LONGE.»
Eu: «Ontem trouxe da feira dois livros: Confusão de Sentimentos (Verwirrung der Gerfühle), uma colectânea de contos de Stefan Zweig, com a marca de qualidade da editora Antígona, e O Intruso (Intruder in the Dust), um romance de William Faulkner ainda pré-Nobel da Literatura, relançado em Portugal há dois anos pela Bertrand. Duas obras que se arriscavam a ser atiradas para os famigerados "fundos de armazém" agora tão em voga - ou mesmo a ser destruídas, como tantas vezes vai acontecendo quando decorre um certo prazo, perante a generalizada indiferença das sumidades culturais da nossa praça. Confesso que me faz impressão esta espécie de recriação ao vivo do cenário de Fahrenheit 451, de Ray Bradbury - um dos livros da minha vida. Quem nunca o leu, é capaz de o encontrar na feira. Talvez também em saldo, talvez ainda a tempo.»