Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Delito de Opinião

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 05.12.21

21523202_SMAuI.jpeg

 

Adolfo Mesquita Nunes: «Não sei de onde me vem esta cansativa necessidade de a tudo reagir com bom humor, coisa que muitos tomam, naqueles momentos em que a aparência parece contar muito, com ligeireza. Mas nasci assim, de riso ágil e piada fácil. Mas é uma arma, senhores. Não é um refúgio.»

 

Ana Cláudia Vicente: «Ocorre-me o início dos anos oitenta, tempo em que ouvia o meu pai combinar ao telefone as 'vaquinhas' (ainda ninguém dizia car sharing e car pooling, e assim) rotativas com os colegas do banco, à porta do Palácio de Queluz. Então alguém desencanta o número de um tal senhor Raimundo, eu uso o telemóvel, outros dois passageiros juntam-se ao grupo, e aí vamos nós, noite caída; uma cidadã de trintas, uma de quarentas, um de cinquentas e uma de setenta e bons, pela estrada nacional fora, a espingardar e tentar sorrir ao revés do dia.»

 

Ivone Mendes da Silva: «Hoje, um grupo de adolescentes escrevia um, digamos, requerimento no qual se dirigiam a entidade que lhes era hierarquicamente superior, dizendo que vinham "pedir a V. Exª que ... ". Interrompi-lhes a redacção. Havia que substituir "pedir" por "solicitar". Grande e clamorosa oposição. Ora essa, diziam, pois então não eram sinónimos? Sim, na substância, porém a carga semântica era diferente. Se fosse a entidade a querer alguma coisa deles,  diria "peço que". Na prática: solicita-se para cima, pede-se para baixo.»

 

João Carvalho: «Cultivo uma loucura nostálgica por duas cidades que me perdem e onde me deixo perder e que estou sempre pronto a revisitar, as duas por igual: Xangai e Praga.»

 

José Maria Gui Pimentel: «Nas últimas décadas temos sido sistematicamente surpreendidos, acabando o ano com um défice (por vezes muito) superior ao esperado. Talvez desta vez fosse de ter calma e não embandeirar em arco. Digo eu...»

 

Luís Menezes Leitão: «Cá em Portugal também tivemos medidas simbólicas ridículas, como pôr os governantes a viajar em classe turística, ao mesmo tempo que se mantêm compras de automóveis de luxo. Mas pelo menos os nossos governantes não choram, até se riem quando discutem medidas de austeridade. Vamos para o abismo, mas vamos de cara alegre.»

 

Patrícia Reis: «O dia podia ter corrido de outra forma, mas acabou por se tornar uma espécie de maratona de obstáculos. Terminou com a notícia de uma menina que nasceu com 37 semanas, hérnia no diaframa, pouca maturação pulmonar, algumas questões cardíacas. Tudo mudou com esta notícia? Não. Foi um momento de surpresa e tristeza e depois de Fé e tentativa de compreensão. Ao mesmo tempo, sem saberem do mundo ou quererem saber, os miúdos isolam-se no computador e não entendem como perdem o tempo que não existe para ser perdido. Eu desisto. Hoje não posso nada. Há dias assim.»

 

Rui Rocha: «Já colocaste o Elmo, Zorrinho? Sim, chefe. Passa-me agora a cota de malha. Muito bem, chefe. Verificaste a fisga, Zorrinho? Verifiquei, chefe. Então, estamos prontos, Zorrinho. Estamos prontíssimos, chefe. E deixe-me que lhe diga que a armadura lhe fica a matar. Também me parece, Zorrinho, tenho aqui um joanete que, de tão apertado, ainda me vai engasgar. Já experimentou levantar a viseira, chefe? Boa ideia, Zorrinho, de facto já respiro melhor.»

 

Eu: «Reparem no que se passa à nossa volta: por toda a parte irrompem sementes de violência, em tudo iguais às que assombram a espécie desde a primeira madrugada do mundo. Percebo bem esta perplexidade generalizada na pátria do iluminismo: andam os arautos da virtude há quase trezentos anos a prometer-nos o homem novo e a todo o momento regressam afinal as sombras do passado, empurrando-nos para longe das luzes, num cíclico retorno às trevas.»