DELITO há dez anos

Ivone Mendes da Silva: «Quem lê hoje Trindade Coelho, Júlio Dinis, Ferreira de Castro, Fernando Namora, Alves Redol? E quem lê Eugénio de Castro, António Feijó, Mário de Sá-Carneiro, Carlos de Oliveira ou a poesia de Vitorino Nemésio? Temo-los nas estantes, claro, mas iremos tirá-los de lá para abrirem uma clareira nos dias do nosso descontentamento?»
João Campos: «Há quem defenda que a blogosfera portuguesa foi fundada pela Coluna Infame, o excelente e polémico blogue de Pedro Mexia, Pedro Lomba e João Pereira Coutinho, nascido a 15 de Outubro de 2002 e extinto a 10 de Junho de 2003. Dos founding fathers dessa bloga, apenas Pedro Mexia manteve presença regular na blogosfera ao longo dos anos, em vários projectos colectivos e individuais.»
João Carvalho: «Há qualquer coisa indefinida nos Açores que nos envolve. Em especial, na ilha espaçosa de São Miguel, a gente sente algo que está para lá do nosso olhar, do que é palpável, do que temos por óbvio. Somos misteriosamente envolvidos e vamo-nos deixando envolver. O envolvimento imediato é a natureza. A moldura marítima da ‘ilha verde’ mal serve para conter os imensos cambiantes verdes da paisagem, que oscila entre os tons mais profundos e as manchas mais subtis. Quase temos medo de lhes tocar, para que não se estraguem.»
José António Abreu: «A forma como a memória nos prega partidas. Como, sem perceber que mentimos, a moldamos de forma a podermos manter uma visão aceitável de nós próprios. Mas também as consequências de actos que julgávamos insignificantes. Que lembramos como tal, mesmo sabendo que por vezes actos insignificantes para uma pessoa são estocadas mortais para outra. Os efeitos da passagem do tempo na memória e nas nossas ilusões. Tudo em cento e cinquenta páginas de pura filigrana.»
Luís M. Jorge: «Não é a austeridade, acreditem — nunca foi. O que me chateia mesmo é o gozo mal disfarçado de quem a impõe com esta mistura tão lusitana de tacanhez endémica, subordinação saloia e analfabetismo panfletário. Tragam-me um vilão do Graham Greene, melancólico e sem peneiras, para desenjoar.»
Luís Menezes Leitão: «A Câmara Municipal de Lisboa não consegue realizar uma gestão equilibrada, continuando com uma dívida monumental que acha que deve ser paga pelos cidadãos, mesmo quando estes já suportam preços altíssimos de combustível. E infelizmente o lobby autárquico conseguiu que o Governo desistisse de lhes aplicar limites ao endividamento. O verdadeiro combate às gorduras do Estado passa é pelos municípios. Digam-lhes que não podem lançar mais "taxas" sobre os cidadãos e que têm que viver dentro do seu orçamento. Vão ver como o défice se reduz.»
Rui Rocha: «Descascado da capa espessa do marketing político, o socialismo de Zapatero revelou-se nas suas componentes estruturais: o betão a qualquer preço, as teias de interesses e o conluio entre clientelas e interesses públicos e privados, o crédito e o endividamento desbragados e o sucesso tão rápido quanto insustentável. Tudo aquilo que os espanhóis resumem com uma palavra: despilfarro. O seu legado mais grave é, todavia, um golpe profundo na viabilidade da coesão e do estado social. Esse mesmo que, vezes sem conta e com assinalável falta de pudor ou, quando menos, com total imprevidência, invocou reiteradamente e em vão. Que o digam os mais de 5 milhões de desempregados espanhóis.»
Teresa Ribeiro: «Estamos fartos de saber que estas coisas se passam na indústria alimentar. Quando vêm a público, logo se ergue um coro de indignação. Das empresas que sustentam estes negócios, dos consumidores. Se passarem estas imagens na televisão à hora das refeições, é bem possível que nos perturbem, momentaneamente, o apetite. Nada, porém, que não se resolva com uma boa vinhaça.»
Eu: «Sete anos de governação socialista mereceram hoje um duro, amargo e justo castigo do eleitorado espanhol. Nem o facto de Rodríguez Zapatero ter dado lugar a Pérez Rubalcaba (na foto) como cabeça de lista travou a queda do Partido Socialista Operário Espanhol, com menos quatro milhões e meio de votos do que os obtidos nas legislativas de 2008. Com apenas 28,6% dos sufrágios, o partido que governou Espanha durante 21 anos (entre 1982 e 1996, e de 2004 até agora) perde 59 lugares na Câmara dos Deputados e quase metade dos assentos no Senado. Pior que isso: perde pela primeira vez em todas as comunidades autónomas, restando-lhe como consolação o triunfo em duas das 52 circunscrições eleitorais -- Barcelona e Sevilha.»
