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Delito de Opinião

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 25.10.21

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Fernando Sousa: «Em Nampula, a Polícia Militar ficava ao lado das nossas flats. Tinha uma mascote: um miúdo preto, de uns oito anos, escapado, pelo que se contava, ao massacre da sua aldeia e adoptado pela PM, que lhe fez uma farda e o graduou, se não me falha a memória em capitão. A unidade tinha ordens para respeitar o artifício. Os sentinelas saudavam-no com o cumprimento devido, acompanhado por um sorriso paternalista, ao que ele respondia fazendo-lhes, muito direito e sério, a continência. Dormia e comia no quartel. E do que mais gostava era de jogar à bola.»

 

João Carvalho: «Quando vou na rua e dou algum dinheiro a um pedinte, jamais me passaria pela cabeça pensar que apliquei dinheiro num pobre. Quando posso doar algum dinheiro a uma instituição de apoio humanitário, não me vejo a dizer que apliquei dinheiro numa obra que cuida dos que mais precisam. Aplicar dinheiro é um tique capitalista que nem me ocorre, menos ainda para legendar um donativo.»

 

Laura Ramos: «Devemos pedir contas, sim. Se a lei deixou de nos garantir a palavra dada, se os contratos de trabalho contêm cláusulas que de nada servem, se o imperativo nacional nos coloca numa situação de suspensão de direitos de estatuto, então é lícito trepar à nossa árvore podada e olhar a floresta.»

 

Rui Rocha: «Um tipo deita-se num país de treinadores de bancada e, sem que nada o faça prever, acorda rodeado de constitucionalistas. O tema preferido já não é a constituição da equipa do coração para o próximo jogo. O que se discute agora é a Constituição. Da República. Digo que se discute e digo pouco. Na verdade, proferem-se sentenças. Nos cafés, em cima das mesas, a Bola e Record foram desalojados. Agora, proliferam os textos constitucionais. À volta dos quais se reúnem os convivas mais improváveis, em raro esforço de exegese e prolação.»