DELITO há dez anos
João Carvalho: «Depois do encontro com a chanceler alemã, José Sócrates "salientou hoje o resultado 'histórico' das contas públicas [portuguesas] em Janeiro e Fevereiro e garantiu que Portugal 'tem condições para resolver os seus problemas sozinho'." É o que eu mais temia: a internacionalização da mentira. Não sei o que possa ter de histórico o excepcional resultado das contas destes dois mesitos, mas sei que Fevereiro acabou há dois dias incompletos e as contas ainda não estão fechadas.»
José Couto Nogueira: «Até 2000, com os fundos europeus a tapar todas as inconsistências e incompetências, parecia que a coisa ia lá, a luta de classes estava demodée, a sociedade de serviços servia a todos. A partir daí, os vírus entraram no sistema e não há antídoto que valha.»
Rui Rocha: «Entre Merkel e Sócrates não há dúvida sobre quem, apesar de tudo, tem uma posição de força. Merkel tinha dois objectivos. O primeiro era obter apoio para o pacto de competitividade. Para tal, não podia criticar Sócrates. Isso empurraria Portugal para o resgate imediato e Sócrates perderia o estímulo que o faz manter-se ao lado de Merkel. O segundo era evitar aparecer à opinião pública alemã como salvadora dos preguiçosos e desregrados do sul da Europa (é esta a visão que os alemães têm de nós). Para alcançar esse objectivo, não podia elogiar Sócrates em demasia ("é preciso aprofundar as medidas"). Era isto que Merkel queria e foi o que conseguiu. Sócrates não obteve nada de relevante para Portugal. A nossa situação mantém-se inalterada. No limiar da sobrevivência.»
Eu: «Vou reflectindo sobre a estranha alquimia do poder político que enebria e cega tantos dos seus detentores, incapazes de renunciarem a ele quando todas as evidências deveriam levá-los a proceder na direcção contrária. Penso no admirável exemplo de Winston Churchill, derrotado nas urnas pelo eleitorado britânico em Julho de 1945, dois meses após ter levado o Reino Unido à vitória na mais inclemente de todas as guerras. Conhecido o desaire eleitoral, limitou-se a comentar: "Fui sumariamente despedido pelo eleitorado britânico da futura condução da coisa pública." E abandonou Downing Street para escrever os seus livros e pintar as suas aguarelas.»