DELITO há dez anos
Andrea Carvalho Rosa: «Não tinha medo de morrer. Assim como assim, a vida trazia-lhe já poucas alegrias, os dias sucedendo-se iguais, da cama para a cozinha para o televisor. Juntara-se, tarde, a um senhor viúvo, partilharam a casa meia dúzia de anos, meia dúzia de anos de sossego conjugado, depois a doença levou-o, havia já tanto tempo. A partir daí custara-lhe, sobretudo, o silêncio. Sentia, ao final dos anos, a falta das tarefas que se encadeavam nas seguintes e não lhe deixavam tempo para pensar na vida.»
Fernando Sousa: «O homem estava fulo. Mostrava-me uma camisa verde, onde, na zona do peito, no lugar onde às vezes aparecem nódoas de um azar de comida, ou de falta de cuidado, saltava à vista uma mancha esbranquiçada e um pequeno rasgão. Fora o mainato. - Então não é que o sacana do preto, para tirar uns pinguitos de azeite esfregou, esfregou, esfregou com uma pedra? Porrada de criar bicho, despedimento.»
João Carvalho: «Estamos em crise agudíssima, cresce a pobreza, a banca estrangula o crédito. Pois é: faz parte. Também é verdade que os bancos não são contribuintes como os outros, mas é (quase) surpreendente que tenham apresentado um aumento invejável de lucros. De tal modo que, depois do contrato publicitário do BES com o Ronaldo, agora é o BCP que está em campanha promocional com o Mourinho. São, talvez, os maiores investimentos de sempre feitos em comunicação no mercado nacional. Deixem-me ver se adivinho a quem é que a banca debita a despesa...»
Luís M. Jorge: «Não é uma pátria espiritual, porque lhe conheço bem os defeitos: a frivolidade, a corrupção, a cupidez, a afectação, o chauvinismo e a bajoujice. Em país algum se escuta música tão má ou se espremem os turistas com tanto desaforo. O que amo na Itália, para além das cidades improváveis, das tascas ruidosas, da cortesia lhana, da melancolia ao virar da esquina é o que a Itália me ensina sobre nós.»
Rui Rocha: «A moeda da governação de Sócrates tem duas faces. De um lado, a política interna. Ali estampada a incompetência e uma visão da política e da coisa pública que tem em Rui Pedro Soares a sua Vara de lança. O clientelismo socrático não é um exemplo. É, sobretudo, um sintoma. Do outro lado, a política externa. Esta, uma nódoa que nos envergonha estruturalmente.»
Sérgio de Almeida Correia: «O Dr. Pinto Monteiro deu uma entrevista. Não posso deixar de admirar a sua coragem. Não pelo que fez ou deixou de fazer, mas pelo que diz e pela forma como o diz. Há um momento nas nossas vidas, na daqueles que ainda acreditam nalguma coisa, que o simples facto de se acreditar e de se confessar poderá ser visto como um sinal de insanidade. Continuo a magicar como é que um tipo bem preparado, interessante e inteligente ainda se aguenta. Mais, eu não sei como é que o MP ainda não estourou de vez. Se fosse uma empresa já teria fechado.»
Teresa Ribeiro: «Anda por aí muita gente incomodada com Cisne Negro. Não sei porquê. É um thriller psicológico, género com o qual estamos familiarizados, por sinal, excelente. O filme de Darren Aronofsky não é sobre o Lago dos Cisnes, é sobre um cisne que nada tem a ver com o bailado. O mundo da dança, onde a acção se insere, tem um efeito plástico que nesta película se explora em parte com o objectivo de melhor realçar a perversidade que encerra toda a beleza. Intenso, visceral, Aronofsky fala-nos da busca neurótica da perfeição num mundo concorrencial. Como se vê, o tema ajusta-se a qualquer corpinho, não precisa de ser um corpo de baile.»