DELITO há dez anos
Ana Vidal: «Pssst, chegue aqui e espreite esta maravilha que lhe trago hoje. Passeie-se pelos corredores dos maiores museus do mundo, detenha-se numa peça e analise-a até ao mais ínfimo pormenor. Fique o tempo que quiser, não paga mais por isso. Enfim, viaje pelo mundo encantado da Arte sem sair do seu sofá. Em tempos de crise, não se pode pedir mais, pois não?»
Bandeira: «Não ando desaparecido, apenas tenho dias em que não acredito em mim. Sou tão céptico que não acredito em S. Tomé.»
Fernando Sousa: «O ar cheirava a formigas esmagadas, a óleo rançado. Passei a tarde entre cervejas e aerogramas, por causa de uma guerra quase no fim, a dias de passar para as cidades, que invadiria de destroços e tensões; uma tarde a escorrer de lembranças, incluindo muitas de que razoavelmente nem me poderia recordar; uma tarde inútil pois a operação seria cancelada.»
Ricardo Alves: «Os governos de coligação não são raros na Europa. No momento em que escrevo, é essa a situação na Alemanha, no Reino Unido, na França e na Itália. Democracias mais antigas do que a nossa, com cidadãos talvez mais habituados à ideia de que o poder é transitório, necessariamente limitado e frequentemente partilhado. O sentimento de "bloqueio político" que por vezes se sente em Portugal dissipar-se-ia se aceitássemos que as eleições não se destinam a eleger um primeiro-ministro, nem sequer a escolher uma maioria, mas apenas a designar representantes. E se os políticos aceitassem que a sua obrigação é negociar com quem está.»
Rui Rocha: «Em princípio, ninguém nos pode impedir de fumar em nossa casa. Todavia, quando esse é também o local de trabalho de um empregado doméstico, a situação altera-se. E, da mesma maneira que estamos vinculados a outros deveres (respeito, pagamento pontual da retribuição, etc.), o de proporcionar boas condições de trabalho e, em geral, de cumprir a lei, também deve ser assegurado. Entendimento diverso só pode partir, parece-me, de uma visão enviesada sobre o valor do trabalho em causa ou do facto de ser tipicamente desempenhado por mulheres.»
Sérgio de Almeida Correia: «Sendo um homem de fé, sou por natureza e feitio anticlerical. Mas habituei-me a ouvir e a respeitar D. José Policarpo. Um homem que soube projectar uma outra dimensão da Igreja portuguesa, pontuando o seu discurso pela lucidez. Sinal da sua atenção aos problemas do seu tempo e que, ao contrário do que alguns teimam em rejeitar, são também os do seu templo. Marcou a sociedade portuguesa com a oportunidade da sua intervenção cívica, com a autoridade do conhecimento e da razão, e tentou renová-la à medida das suas possibilidades. Muitas vezes discordei do clérigo, poucas do homem, porque respeitar é também compreender o outro na discordância.»
Eu: «Extraordinário Mubarak, tão amigo do Ocidente em geral e tão digno da admiração de Alberto Gonçalves em particular. E extraordinários "estudos de opinião" - não especificados pelo crédulo sociólogo - que "parecem" conjugar liberdade e lapidação no Egipto. Não conheço nenhum outro pensador mundial capaz de associar um movimento pró-democracia à excisão feminina. Espero que o sociólogo da Sábado tenha registado a patente.»