DELITO há dez anos
Ana Cláudia Vicente: «Participações à GNR, à PSP, devoluções postais à Segurança Social, consultas em cartórios e conservatórias concelhios, telefonemas, deslocações, esperas de vária natureza, consideráveis doses de fleuma para lidar com o descaso - quando não insolência - de quem representa o Estado, tal como com o fatalismo dos familiares. Podemos, está visto, calcular quantas horas e euros D. Aida Martins aplicou na tentada descoberta do paradeiro da sua vizinha. Não podemos é estimar o valor do seu fazer mais do que está previsto na lei, mais do que o bem visto, mais do que o esperado. De um a outro vai a diferença entre o cidadão qualquer e o cidadão como ele deve ser.»
Ana Margarida Craveiro: «No primeiro, o ódio. O ressentimento, a impossibilidade de fazer as pazes com o passado. No segundo, a piedade. A compreensão por quem se deixou levar pela loucura da revolução e da ideologia.»
João Carvalho: «Contaram-me que o ainda ministro Mendonça não perde tempo: enquanto o TGV está suspenso, tem outros planos ferroviários. São vários planos, pelos vistos. Planos em socalcos. Planos inspirados nas vinhas do Douro, a bem dizer.»
Marta Costa Reis: «A proibição do véu integral não é mais do que a consequência dos direitos, liberdades e garantias que muito arduamente foram conquistados no Ocidente. Na Europa, uma mulher não deve andar tapada, mesmo que a cultura do seu país de origem o imponha, pela simples razão que na Europa, regra geral e por lei, não somos consideradas meros objectos (sexuais ou outros). Proíba-se porque, de outra forma, os abusos e violações de direitos disfarçados de prática religiosa vão continuar. É para isso que existem as proibições.»
Pedro Norton: «Ordinária expressão com que, ordinários rapazes a dar os primeiros passos nestas coisas do amor, celebrávamos a primeira e mais polposa de todas as conquistas. Bronzino, já se vê, era homem de outra erudição e outro refinamento e nunca se lembraria de tamanha grosseria. Chamou-lhe "Uma alegoria com Vénus e Cupido" e eu reencontrei-a, a semana passada, pendurada em Londres, com o mesmo lúbrico deleite com que o Duque Cosimo de Médici terá olhado para ela a primeira vez.»
Rui Rocha: «O que o Senhor quer sei eu. O seu projecto político alicerça-se na exploração da perturbação social, da revolta, do conflito de gerações e, no limite, da irresponsabilidade e do ressentimento social. E isso, Dr. Louçã, precisamente porque não somos o Egipto, não lhe podemos admitir. A situação em que estamos resolve-se com os portugueses unidos em torno de um projecto de futuro. Mas não tem solução a partir do dia em que nos voltarmos uns contra os outros. Por isso lhe digo, Dr. Louçã, que Portugal não pode enveredar pelo seu caminho sem retorno. E, se o que Vª. Exa. pretende é suicidar-se politicamente, então temos que exigir-lhe que vá morrer longe e sozinho.»
Eu: «Uma pequena multidão de comentadores domésticos continua a dirigir farpas aos movimentos pró-democracia nos países árabes, chorando a queda dos ditadores Ben Ali e Mubarak. Neste desfile, Alberto Gonçalves não podia faltar à chamada. Lá vem ele, no DN, juntar-se ao coro: "Após a queda de Mubarak, as odes dos jornalistas à alegria do povo e as invectivas aos 'cínicos' que não a partilham resultam de óptimas intenções, mas de péssima memória. A História recente ensina que a felicidade de certos transtornados religiosos tem um preço: a nossa." Extraordinário: assume-se a defesa póstuma da ditadura para lançar um vigoroso anátema sobre a democracia que ainda nem começou a ser construída.»