DELITO há dez anos
Ana Vidal: «À ida, espero que Mubarak perceba finalmente que não é possível enganar todos durante todo o tempo, como pretendia o patético canto do cisne que foi o seu último discurso. Ou, melhor dizendo, a sua última manhosa canção do bandido. O Egipto acordou, e num despertar como este não há recuo nem operação cosmética que satisfaça um povo. Se o povo egípcio não está maduro para uma democracia ao fim de quase cinco mil anos, quando estará? Esta hora é de celebração, de emoção, de alegria. Porque para tudo tem de haver um tempo.»
Paulo Gorjão: «O PSD deve procurar as circunstâncias que lhe permitam maximizar o seu resultado eleitoral, porque desse resultado depende em parte a sua força para implementar uma verdadeira estratégia reformista. Ganhar por ganhar, sem músculo para mudar nada de forma substancial, então mais vale estar quieto.»
Rui Rocha: «Quem conheceu o Egipto de Mubarak sabe que se tratava de um país anormal. Em qualquer lugar, uma presença militar ostensiva e maciça. Neste cenário, perante um ditador empedernido, o mais difícil foi enfrentar o medo na primeira manifestação (em 25 de Janeiro) e em todos os dias e noites que se seguiram. Nesse momento, o desfecho mais previsível apontava para o massacre, para a detenção e para a tortura de quantos ousaram levantar-se contra o tirano. O caminho espinhoso que se segue não tem comparação com o gesto de oferecer o peito à infinita probabilidade de receber uma bala.É bem possível que o Bloco consiga o seu objectivo: manter o governo ligado à máquina por mais uns meses. Sócrates continuará incapaz de governar mas, com os cordelinhos puxados por Louçã, poderá ir acenando. O que não é coisa pouca para alguém que está já em estado de cadáver político.»
Teresa Ribeiro: «Não é um Woody Allen que nos faça desfiar gostosamente na memória as suas marcas: o Annie Hall, claro, o Manhattan, pois, Ana e as Suas Irmãs, só para citar os mais incensados, evocação a que somos induzidos sempre que nos sentimos tocados, mais uma vez, pelo seu génio. O último que me fascinou realmente foi colheita de 2005, Match Point de seu nome. Desde então, é mais que óbvio, ele faz o que lhe apetece. O ano passado gostei que lhe apetecesse uma comédia feita ao jeito das suas oldies. Consolei-me, estava com saudades. Mas em Vais Conhecer o Homem dos Teus Sonhos não se esforça. O argumento é um exercício de preguiça, só que gostar de Woody pode ser um vício. Eu assumo-o.»
Eu: «Por estes dias, algumas Cassandras de turno têm atrasado o calendário 32 anos para apontarem um dedo cheio de suspeições ao movimento popular egípcio. Lembrando que a chamada revolução islâmica que derrubou o xá do Irão em 1979 também prometia muito mas terminou da pior maneira, com a instalação de uma ditadura ainda mais feroz. Por que motivo nenhum outro exemplo de uma revolução falhada é invocado por estes dias? Talvez porque não haja mais nenhum para mostrar. Nos últimos 40 anos, dezenas de ditaduras deram lugar a sistemas democráticos nos mais diversos pontos do planeta – de Portugal às Filipinas, da Polónia a Moçambique, da Rússia ao Brasil – sem que nenhum vaticínio catastrofista se concretizasse.»