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Ana Vidal: «Construímos o nosso castelo sobre a mais alta escarpa do sonho, no cume da utopia. Pedra a pedra o moldámos, exigentes. Era a perfeição que nos guiava os gestos, escancarando aos nossos olhos incrédulos a sua eterna insatisfação. Era a perfeição ou nada. Quisemos que a nossa morada fosse única, inimitável, irrepetível. Ninguém teria um castelo igual ao nosso, mágico baluarte de um segredo que só nós conhecíamos. Nenhum mortal tocaria as estrelas como nós, nenhum ser vivo saberia jamais como deixá-las escorregar por entre os dedos dos deuses que éramos. Inebriava-nos o ar puro que só nós respirávamos, a voz do vento que cantava só para nós. Gravámos uma divisa sobre a porta: Mais Alto. E subimos sempre mais alto, mais alto, mais alto. Tão alto, que a queda nos foi fatal.»
Bandeira: «Existem quatro primaveras num ano, mas três delas estão em muito mau estado.»
Fernando Sousa: «Numa destas tardes, dentro dos meus sapatos mágicos, que me levam também às vezes a sítios de acaso, desci a Rua da Rosa, e eis que de repente entro na Bir Sokak, no bairro de Izmir, no meio de retratos de coisas que insinuam pessoas e da voz de um almuadem, que diz a penúltima oração do dia. Sou um apaixonado pelos instantâneos dos viajantes, neste caso pelos que o André Beja trouxe da zona do Egeu, aonde o “acaso” o levou há poucos meses. Estão no Agito. Fica aqui um deles.»
Ivone Costa: «O “acho que” tornou-se uma expressão muito ouvida. Toda a gente acha qualquer coisa sobre tudo. Muitas vezes, sobre assuntos tão complexos que será difícil até a quem sobre eles se debruça há muito emitir um parecer preciso e escorreito. Há os que, embora muito aquém de leigos, dissertam sobre complexas teorias económicas, sobre direito processual penal de países distantes, sobre a grafia das consoantes não articuladas, os que entram na urgência de um hospital e, alcandorados em meia dúzia de leituras ad hoc, gritam com wikipédica certeza para o médico de serviço:
- Doutor, eu acho que isto é uma pancreatite.»
João Carvalho: «O metro do Mondego já tem quase tudo. Incluindo projectos congelados e administradores encostados. Até tem rotundas — vejam bem — que é uma técnica seguramente inovadora em caminhos-de-ferro. Assim de repente que me ocorra, a única coisa que o metropolitano de Coimbra não tem é metropolitano. Mas não há-de ser por isso que tem administradores. Deve ser mais para tomarem conta das rotundas.»
Rui Rocha: «A democracia não é o governo (em sentido lato) pelo povo. É governo pelos representantes do povo. E o voto, para além de uma escolha aberta entre os candidatos, encerra ainda o profundo valor de permitir aos cidadãos substituir os anteriores representantes sem terem que recorrer a uma guerra ou a uma revolução. Perturbar o exercício básico da cidadania, ainda que de forma involuntária, é converter, temporariamente, os eleitores afectados em não-cidadãos.»
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