DELITO há dez anos
Ana Margarida Craveiro: «O Estado português trata mal os cidadãos. Assume que todos são falcatrueiros, uns sacanas que só querem é roubar à primeira oportunidade. Isto nas finanças, na segurança social, etc., etc. Pelos 2% de pecadores, pagam os 98% de justos, que são tratados a pontapé. O que é triste é ver a sociedade a assumir o mesmo erro: como conhece o Zé que tem um BMW e foge aos impostos, trata de assumir que todos os Zé fogem aos impostos, tenham ou não um BMW. A confiança é um factor de qualidade da democracia. Neste ponto, ainda não saímos do Estado Novo, lamento informar.»
Ana Vidal: «Fico muito mais descansada. Afinal não há pedófilos em Portugal, como também não há corruptos nem vigaristas. Poupa-se nos tribunais e nas prisões, uma beleza. Gasta-se só um bocadinho mais nos media, com tanto diz-que-disse-mas-afinal-não-disse, mas isso até tem graça. E o povo gosta de festa.»
Bandeira: «Se não quer que toda a gente olhe para si no restaurante, evite sentar-se sob o televisor.»
Filipe Moura: «Por muito que o Sporting não ganhe tantos títulos como os outros, a postura de vencedores na vida que até ganham de vez em quando é o que mais irrita os nossos adversários (particularmente os benfiquistas). Desde que ganhem – os benfiquistas detestam que o Sporting ganhe; os sportinguistas adoram que o Benfica perca. O que mais irrita os benfiquistas é que no fundo eles admiram os sportinguistas e adorariam ser como eles.»
João Carvalho: «Todos sabemos que estamos num país surpreendente, em que o factor sorte é essencial para se estar bem na vida. Neste momento, por exemplo, palpita-me que a estrutura do metro de Coimbra possui a equipa mais sortuda do país: meia dúzia de administradores e uma dúzia de funcionários, mais-coisa-menos-coisa, pagos para gerir coisa nenhuma. Espera-se que não tenham sofrido grande corte nos salários da crise, por causa da concorrência com os imensos nadas nacionais.»
Rui Rocha: «Acho piada a certos comentários que sublinham a possibilidade de a revolução da Tunísia e a agitação social que já existe no Egipto e se adivinha em outros países do norte de África darem origem a regimes ainda piores. Digo que é o mesmo que afirmar-se, antes do 25 de Abril, que era melhor não o fazer devido ao perigo de Portugal se tornar um país comunista.»
Teresa Ribeiro: «Olhou as paredes e embora não tivessem espelhos viu-se reflectido nelas, deitado no sofá, revistas e jornais espalhados à volta, alguns no chão, junto do prato onde pousara o copo, agora vazio. Seria a solidão a única mulher com quem ele conseguia viver? - ironizou. Às vezes cansava-o. Mas não o cansavam todas? Olhou para o telemóvel, aceso pelo último sms recebido. Escreveu "amo-te" e enviou. No ar ainda se respirava o perfume que lhe oferecera no Natal. Reparou nesse momento que ela se esquecera das luvas, sinal evidente de que tencionava voltar, apesar de ter saído a bater com a porta. Bocejou. A diferença - pensou - é que a solidão não é reivindicativa.»
Eu: «Logo após terem sido conhecidos os resultados eleitorais, José Sócrates revelou-se um digno aprendiz de Maquiavel. Em poucas frases colou-se ao vencedor, com o pragmatismo de um jogador de casino ao reconhecer que os dados estão lançados. E deu um abraço de urso a Manuel Alegre, como se nunca tivesse amarrado o PS a estratégias erráticas e derrotistas em dois sucessivos escrutínios presidenciais. Lesto em sacudir a água do capote, o primeiro-ministro proclamou: "Estas são eleições presidenciais e os portugueses sempre souberam distinguir entre opções políticas nas legislativas - em que os partidos estão directamente envolvidos - e eleições presidenciais, que são baseadas em candidaturas individuais". E logo a seguir, com aquela ligeireza que o caracteriza, acentuou: "Foi com orgulho que todos os socialistas estiveram ao seu lado [de Manuel Alegre]." Esta frase, além de contradizer a anterior, estava totalmente longe da verdade, pormenor irrelevante no habitual fio discursivo do primeiro-ministro, um hábil manipulador de pessoas e factos.»