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Delito de Opinião

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 30.12.20

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Ana Margarida Craveiro: «Li-o devagarinho, porque não queria chegar ao fim. A expectativa era grande, depois de Gente Independente. Às primeiras páginas, soube que tinha mais um grande livro nas mãos, daqueles a que me vai apetecer voltar. Foi editado este ano pela Cavalo de Ferro, a minha editora favorita.»

 

Ana Vidal: «Hoje acordámos algures entre o Tigre e o Eufrates, e do mais alto zigurate contemplámos o mundo. Deixámo-nos cobrir de ouro e pedrarias e, com as asas de Enlil, voámos sobre Ur como pássaros deslumbrados. Eu dei-te o sagrado nome de Dumuzi e tu chamaste-me Inanna, tua rainha. E descobrimos em nós o mar primordial, os ancestrais tesouros que tínhamos guardados, sem o sabermos, na montanha cósmica da nossa memória. Hoje fomos inspirados Hammurabis bordando palavras novas em pedra, para que nunca mais as esqueçamos e os vindouros saibam, um dia, que as proferimos.»

 

João Carvalho: «Quando falta informação, vai-se buscá-la. Vai-se? Reparem na entrada desta notícia: "Um fogo de grandes dimensões destruiu um mosteiro medieval situado na abadia de Rochefort, na Bélgica, muito conhecida pela produção de cerveja." Um mosteiro numa abadia? Pode ser que sim. Na Abadia de Rochefort? Mas conhecida pela cerveja é a abadia ou a região? Segundo a própria notícia logo adiante, nem uma nem outra: "o mosteiro do século XIII atingido pelas chamas é muito popular pela produção da cerveja Rochefort Trappist"; mosteiro e abadia são, nesta história, a mesma coisa, apesar da confusão que começa por colocar um no interior da outra.»

 

Luís M. Jorge: «Que Manuel Alegre nada tem na cabeça é uma revelação tardia para quem acompanhou as anteriores incursões do bardo na alta política. A estratégia da candidatura — defender a pátria da fúria dos mercados, resguardar o estado social — nem era má; mas exigia alguém que a executasse com talento. O perfil do candidato — uma alminha impoluta, um independente do PS — tinha sentido, mas dispensava a incarnação de um poetastro oco e egotista. Havia mais gente adequada à estratégia e ao perfil? Havia, pois.»

 

Rui Rocha: «Lotaria de Ano Novo. Número sorteado: Dois mil e onze. Prémio: Seiscentos mil desempregados. Estamos todos habilitados.»

 

Teresa Ribeiro: «O tempo em que o cliente tinha sempre razão, já era. Agora, perguntam-nos, untuosos, em que nos podem ser úteis, ao mesmo tempo que tecem as linhas com que nos hão-de neutralizar, entre sorrisos. Mas mudar este modelo não é complicado. Basta fazer bem o nosso papel, que é o de não ceder à primeira dificuldade. A perseverança da Maria João é, neste contexto, um acto de cidadania. Houvesse ao balcão destas empresas pepsodent meia dúzia de melgas como ela por dia e a situação tornar-se-ia insustentável. A arrogância e a falta de transparência passariam a ser inviáveis do ponto de vista comercial e os consumidores teriam uma vida muito mais tranquila.»

 

Eu: «Uma decisão do Governo tomada apenas a três semanas das presidenciais, para facilitar a vida ao recandidato Cavaco Silva contra o candidato oficialmente apoiado pelo PS. Bem pode Manuel Alegre, justamente indignado com esta acção interna de sabotagem à sua campanha, clamar contra a inconstitucionalidade da medida - um claro ataque ao 'estado social' por parte do Executivo socialista. Cavaco, reconfortado pelas sondagens e pelo esforço desenfreado do Governo em divorciar-se ainda mais dos portugueses, só tem motivos para sorrir. E para agradecer a José Sócrates.»