DELITO há dez anos
Helena Ferro de Gouveia: «Muitos governos europeus querem fazer crer às suas opiniões públicas que marcham, como cativos indefesos de grilhetas nos pés, à voz de comando de Berlim. Há-de haver um outro mundo lá fora. Pois há. Um exercício interessante, nestes últimos meses, é uma análise comparativa da imprensa europeia, que tenta convocar a cumplicidade dos cidadãos dos vinte e seis contra Berlim, e do que se publica na Alemanha. Por detrás de muitas das críticas feitas a Angela Merkel – que passou de bestial a besta na óptica de algumas cabeças bem pensantes – há um anti-germanismo alimentado de ressentimentos e nostalgias várias. O que muitos europeus, que acenam com a bandeira da solidariedade quando lhes dá jeito, já esqueceram foi à forma como reagiram à reunificação alemã e como a todo o custo a tentaram evitar. Também já se esqueceram que o euro foi o preço elevado que a Alemanha pagou por ter recuperado a sua soberania.»
Luís M. Jorge: «Nunca me perguntaram, felizmente, quais eram os problema do país. Se me tivessem perguntado responderia que eram os paninhos quentes, as falinhas mansas e o respeitinho dos chico-espertos pelos poderosos. No linguajar dos comentadores chama-se a isto a falta de exigência dos cidadãos. Pois bem, aqui está uma mulher que exige, que chateia e que faz perguntas incómodas. Precisamos de quinhentas destas. E, já agora, convém-nos que Paulo Portas se digne a responder-lhe. O motivo é simples: se nos contentarmos com menos que isso não merecemos viver num país decente.»
Rui Rocha: «O TGV poderá ser outras coisas mas, é também um comboio. E um comboio não se deve atrasar. Os atrasos são muito desagradáveis para os passageiros. Sobretudo, para aqueles que fazem de andar de comboio um hobby. Penso que se chama o hobby da construção. Por isso, apresento algumas medidas, de que sou o único irresponsável, para diminuir os custos de construção e exploração.»
Sérgio de Almeida Correia: «Temos sido ao longo de séculos um país de meias-tintas. Cavaco Silva corresponde a esse modelo de respeitinho que homens como O'Neill ou Cardoso Pires tão bem retrataram. Um modelo onde a ambiguidade não constitui um tabu. Um modelo onde a ambiguidade é a estratégia de afirmação e de sucesso: na vida académica, na vida profissional, na política e nos negócios. Um modelo que evita confrontar-se com a realidade para não desvalorizar os valores tradicionais, as certezas, o seguro que garante uma reforma tranquila.»
Eu: «À falta de notícias, no final de um dos piores anos de que há memória em Portugal, o Governo fez um enorme espavento a propósito da inauguração de um novo troço ferroviário na vetusta e maltratada linha do Algarve que permitirá - diz a propaganda governamental - reduzir em dez minutos a ligação entre Lisboa e Faro. O acto envolveu convites a jornalistas, reportagens televisivas e a inevitável declaração do ministro das Obras Adiadas. Está em curso uma "reforma estrutural" na área dos transportes, proclamou António Mendonça, que procura roubar a Helena André o título de pior ministro do segundo governo Sócrates. Tudo isto se passou no domingo. Bastaram 48 horas para se saber que a "reforma estrutural" a que aludia Mendonça afinal afocinhou nas imediações do Poceirão.»