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Delito de Opinião

Delito à mesa (9)

Pedro Correia, 23.02.19

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Quem gosta de comer com o pé no acelerador deve escolher outro poiso. No Dom Joaquim, hoje o melhor restaurante de Évora, a gastronomia aprecia-se com um ritmo propício à digestão e à verdadeira sabedoria. Que nos manda seguir devagar para chegar longe.

 

Évora é uma das cidades portuguesas onde mais se honra a excelência das nossas tradições gastronómicas. E o melhor restaurante da bela capital alentejana, que nunca cessa de nos deslumbrar pela sua beleza paisagística e pelo vigor que mantém na defesa do seu rasto cultural, é o Dom Joaquim, inaugurado em 2007 e assim denominado em alusão ao chefe Joaquim Almeida, comandante destas navegações gastronómicas de longo curso. Um restaurante situado dentro das muralhas da cidade, a dois passos do histórico Largo das Alterações, onde em 1637 se produziu o primeiro levantamento popular contra o invasor castelhano, em antecipação da independência que viria a ser recuperada três anos depois.

Honrar os pergaminhos culinários do Alto Alentejo, reabilitando a comida de tacho e forno tantas vezes desprezada nestes tempos em que se come de pé no acelerador e se recorre com exagerada frequência aos congelados, é um dos nobres propósitos desta casa. Quem aqui vem, não espere velocidades: há que saborear bem, no seu devido tempo, cada prato que chega à mesa. Também não espere “cozinha de fusão” nem outras modernices: aqui a prioridade é cultivar os valores ancestrais da gastronomia transtagana. Com uma palavra amável para o cliente, que pode já ser ou vir a tornar-se um amigo: no Alentejo, comer, conversar e conviver são verbos de parentesco muito próximo.

Sugestão a abrir: se quer conseguir lugar, é imprescindível reservar mesa. A sala é espaçosa, além de bem decorada, mas acaba quase sempre por encher.

 

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Coelho à São Cristóvão

 

Para inaugurar a refeição, recomenda-se ovos mexidos com espargos verdes, cogumelos de coentrada, ovos de codorniz de vinagrete ou coelho à São Cristóvão – sendo este desossado e desfiado após levado a assar, e depois temperado com azeite em abundância, vinagre, alhos picados e coentros.

 

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Migas de espargos com carne de porco

 

Feitas as apresentações, rumemos aos pratos principais. Se apostar na tradição, não se arrependerá. E aqui tradição rima com sopa de cação. Mas também com arroz de lebre malandrinho, borrego assado no forno com batatinhas a murro, migas de espargos verdes com carne de porco do alguidar. Pode também optar por aquele que para alguns comensais mais regulares se tornou o ex-libris da casa: bochecha de porco assada em vinho tinto acompanhada de puré de maçã. Ou por outra emblemática criação do chefe: almofada de porco preto – uma generosa empada com borrego, leitão, bacalhau ou caça que chega à vontade para duas pessoas.

Se é incapaz de rematar uma refeição sem ceder à tentação da sobremesa, seguem duas sugestões: pudim de água de prata ou bolo de chocolate com aguardente vínica e frutos secos. Além da doçaria mais tradicional da região, nunca aqui com falta de comparência.

 

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Javali estufado

 

À margem da ementa fixa, aguarde que lhe transmitam as novidades gastronómicas da semana: aqui a rotina não rouba lugar ao imprevisto. No Dom Joaquim, por exemplo, comi o melhor javali estufado que guardo na memória. Regado com um tinto alentejano proveniente da abundante adega da casa. Aconselho o Bojador, que superou com distinção a prova.

Tudo com o requinte prévio da travessa em vez de chegar já empratado da cozinha, contrariando uma péssima tendência agora em voga. Tudo em porções generosas, que convidam à partilha. Porque essa é outra tradição a honrar e preservar neste Alentejo que tem memória.

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Restaurante Dom Joaquim                                                                                          

Rua dos Penedos, n.º 6, Évora.

Telefone 266 731 105.

Horário: 12.00-15.00, 19.00-22.45. Encerra aos jantares de domingo e às segundas.

2 comentários

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    Pedro Correia 24.02.2019

    Virão outras, caro Pedro.
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