Delito à mesa (4)
Gosto de entrar em restaurantes onde já sou conhecido e sabem de antemão o que irão trazer-me para a mesa sem eu ter necessidade de consultar a ementa.
É como se fizesse parte da família alargada desses estabelecimentos, onde um cliente nunca deixa de ser bem tratado mas os habitués justificam um toque suplementar de atenção.
Solar dos Presuntos: a melhor 'paella' de Lisboa
Acontece-me, desde logo, no Solar dos Presuntos. Há anos que vou lá comer sempre o mesmo prato: a melhor paella de Lisboa. Sempre acompanhada por um excelente Alvarinho, o Portal do Fidalgo. Antes de me sentar, já qualquer membro da diligente equipa de empregados bem orientada pelo maestro Pedro Cardoso sabe qual será a minha opção, sólida e líquida.
O mesmo sucede no Nova Goa, onde mantenho fidelidade ao sarapatel. Sebastião Fernandes – proprietário, anfitrião e uma das figuras mais carismáticas da restauração lisboeta – nunca precisa de me estender o menu. Nem eu preciso de lhe dizer o que me apetece mastigar.
Sinto-me lá sempre em casa. Tal como no Salsa & Coentros, que frequento desde a abertura, e onde a escolha quase invariável é o arroz de perdiz – que já não necessito de encomendar. José Duarte, patrão e timoneiro deste simpático restaurante, bem sabe qual será a minha escolha.
Ali perto, no Mercado de Alvalade, quando me sento à mesa sei que virá o inconfundível balchão de camarão – acompanhado por um jarrinho de branco da Casa Ermelinda Freitas, uma das melhores relações preço-qualidade dos vinhos portugueses. Deixaram há muito de perguntar, deixei há muito de pedir.
Acontece o mesmo no Comilão. Secundino Cardoso, alma deste marco na arte de bem refeiçoar em Campo de Ourique, sabe o que ali procuro quase invariavelmente: o admirável arroz de pato, que tenho comido mesmo quando não consta da ementa.
Conventual: uma saudade
Foram-se os tempos do Conventual, que chegou a ter o melhor cozido à portuguesa de Lisboa, e do antigo Coelho da Rocha, onde rumei durante anos em busca da empada de lebre: ainda não me apeteceu regressar com a nova gerência.
Já não existe o Múni, na Rua dos Correeiros, onde o bacalhau à Gomes de Sá era imbatível.
No Bairro Alto deixou de morar o Pap’ Açorda, meu destino invariável quando me apetecia matar saudades dos incomparáveis pastéis de massa tenra. Espreitei o sucedâneo recém-inaugurado, ao Cais do Sodré, mas não fiquei cliente: pareceu-me presumido em excesso. Com doses demasiado minguadas a preços exageradamente robustos.
Os preços nada convidativos afastaram-me de outros poisos gastronómicos da capital que frequentei em tempos idos. Mas lembro ainda com um fio de nostalgia o bife tártaro do XL e a raia no vapor com alcaparras d' A Travessa.
Via Graça: os olhos também comem
Uns partem, outros chegam.
Por estes dias vou abancando no Ibo (lombinhos de peixe em molho de coco e coentros com puré de mandioca e batata doce) ou no Jesus É Goês (magnífico camarão recheado, imbatível nas rotas gastronómicas da capital). Nunca deixo de recomendar a piazza diavola do Come Prima. E revisito clássicos, como a Adega da Tia Matilde (arroz de frango), o Solar dos Nunes (arroz de lebre), o Poleiro (vitela barrosã no forno com arroz de salpicão) ou o velho-novo Via Graça, de onde se desfruta uma das vistas mais soberbas da capital.
De uns e outros tenciono falar aqui, nos meses mais próximos, recuperando uma série iniciada no DELITO por colegas como a Ana Vidal e o José Navarro de Andrade. Uma série que saberá ainda melhor se reflectir o saudável espírito colectivo que sempre cultivámos. As boas tradições devem manter-se.