Defenestrados
(créditos: RTP)
O despacho do ministro da Educação, Ciência e Inovação, Professor Fernando Alexandre, que foi ontem conhecido em Lisboa, sobre os acontecimentos recentes que envolveram a Escola Portuguesa de Macau (EPM), e de que neste espaço dei conta em 01/06/2024 e 01/07/2024, constitui uma afirmação de autoridade por parte do Estado português e uma lufada de ar fresco para a instituição, traduzindo um sinal de reposição do Estado de direito e da mais do que merecida atenção à aberrante situação criada na EPM, por imposição do presidente da Fundação Escola Portuguesa de Macau (FEPM) e do director às suas ordens, à revelia das leis e de tudo o que mandaria um mínimo de justiça e de bom senso.
Ao sublinhar a função do Governo português como “garante fundamental do futuro da instituição [EPM] e do seu projecto educativo e cultural”, destacando a missão cometida à FEPM, “como pessoa colectiva de direito privado e de utilidade pública” e à EPM, enquanto “escola de matriz pedagógica e cultural portuguesa, criada com a finalidade de garantir a permanência e difusão da língua e da cultura portuguesa”, o ministro Fernando Alexandre assumiu as suas responsabilidades políticas, bem como as legais e estatutariamente consagradas, defendendo o papel da instituição e a dignidade do Estado português, que não pode estar ao serviço de partidos, de gangues, de obscuros projectos unipessoais de poder ou de afirmação social, ou a mando de outros senhores que não o interesse público, a legalidade e a República.
Ao mesmo tempo, o despacho restitui a dignidade às instituições nas quais Portugal está envolvido em Macau, por força dos seus compromissos internacionais e da natureza de serviço de interesse público daquele estabelecimento educativo, colocando-se num patamar de justiça e respeito dentro de regras transparentes e de civilidade, como é próprio dos estados democráticos e de pessoas de bem.
E quanto a este aspecto, o senhor ministro da Educação prestou um serviço a Portugal e aos portugueses que me apraz publicamente registar, concluído que foi o inquérito que mandou instaurar, após ter nomeado um inspector da IGEC, que se deslocou a Macau entre 12 e 25 de Julho pp., ouvindo os intervenientes e analisando os factos em toda a sua crueza, extraindo as respectivas conclusões e decidindo em conformidade. E fê-lo sem se poupar nas palavras.
Fez muito bem. E deverá ser seguido por outros ministros em relação a todas as matérias que digam respeito a Macau e à China. Sem tibiezas.
Em especial porque numa terra que se habituou às meias-tintas e aos desmandos dos últimos anos de administração por parte da tropa colonial e serventuária que por aqui andou a fazer fretes aos poderosos locais enquanto ia enriquecendo, já era tempo de haver uma afirmação de integridade ética, moral e cívica do Estado português, que não colocando em causa a FEPM, no seu papel “silencioso e discreto”, nem a EPM, cujos bons resultados em “testes internacionais inteiramente normalizados”, desde há mais de uma década, “atestam os elevados padrões de qualidade da sua oferta educativa”, confirmados pelas acções inspectivas realizadas ao longo dos anos, colocasse os pontos nos “iis”. Como se impunha e tardava.
Fernando Alexandre mostrou ter presente toda a inexplicável sucessão de desmandos, ocorridos desde que foram nomeados pelo anterior titular da pasta da Educação, o actual presidente da EPM e os novos vogais, referindo que o novo ciclo da EPM deveria ter coincidido “com uma fase de consolidação da missão da Escola e de desenvolvimento ou mesmo expansão da sua área de intervenção”, mas que, ao invés, assim que os novos chegaram “os problemas surgiram e com grande impacto na comunidade escolar e expressão, inclusivamente, nos serviços de Educação locais, revelando uma incapacidade dos actuais responsáveis para os resolver e debelar, tranquilizando pais, educadores, professores, pessoal não docente e comunidade escolar no seu conjunto”.
Elencando todo o rol de confusões gerado pelo actual Director da EPM, Acácio de Brito, que motivou “forte perturbação no funcionamento da Escola”, com educadores a ameaçarem transferir os seus educandos para outras escolas, a que se juntou a “substituição intempestiva e não suficientemente explicada de quatro docentes”, assim como o “recrutamento de outros docentes, sem explicar os critérios utilizados para o recrutamento e selecção, que se deve reger por princípios de imparcialidade, isenção e transparência”, o ministro Fernando Alexandre mostrou que a EPM não é uma coutada alentejana para um qualquer “macho ibérico” ir à caça de perdizes e avestruzes, actuando de “motu próprio, sem consultar ou informar o conselho de administração da entidade titular”.
E a acção daquele elemento foi tão perniciosa que constituiu factor de controvérsia e divisão “no seio do conselho de administração da FEPM”, cuja conduta mereceu “o aval de apenas dois elementos” do referido órgão, composto por cinco, sendo que aqueles foram exactamente dois dos três administradores nomeados pelo Estado português, um deles o respectivo presidente. A actuação do Conselho de Administração da FEPM, segundo o ministro, "deveria ter enquadrado a actuação e o exercício de competências por parte do director da Escola”, o que também não aconteceu.
No final, criticando a decisão potencialmente desestabilizadora que havia sido tomada quanto à regular leccionação do Português Língua Não Materna, concluiu pela “falta de funcionamento colegial e solidário do CA da FEPM”, pela omissão de envolvimento do CA da FEPM nos processos de tomada de decisão, “pautada, em contraponto, pela ado[p]ção de posições do Presidente do CA da FEPM, a título meramente individual, sem vincular o órgão colegial”, a ausência de “critérios obje[c]tivos, imparciais e transparentes na cessação ou não renovação dos contratos com professores e nos novos recrutamentos de professores, sem que o Director da EPM, no respeito pelo princípio da hierarquia e da transparência e cumprimento de um dever elementar de articulação, solicitasse, previamente, ao órgão colegial (...) a emissão de critérios definidores ou de orientações”, gerando dúvidas e incertezas, determinou-se a continuidade dos professores “dispensados” por mais um ano, mantendo-se como docentes “com serviço docente/tarefas distribuídas no próximo ano le[c]tivo”, procedendo-se à “conclusão dos processos de contratação de novos professores” indispensáveis, assegurando-se a sua entrada em funções a tempo do início do próximo ano escolar.
Concomitantemente, Fernando Alexandre instruiu os representantes do Estado português a convocarem uma reunião extraordinária do Conselho de Administração da EPM, pedindo àqueles que aí apresentem um conjunto de propostas destinadas à reposição do funcionamento da Escola em condições de legalidade e transparência, impondo ao director da EPM que passe “a exteriorizar a sua vontade exclusivamente por escrito, com indicação da maioria obtida na respe[c]tiva votação” e que “em todas as matérias relativas ao funcionamento da EPM que não estejam sujeitas à apreciação e deliberação do CA da FEPM, ado[p]te critérios obje[c]tivos, imparciais e transparentes”, promovendo um diálogo construtivo e permanente com a comunidade educativa.
Aqui chegados, a única coisa que se pode dizer é que Fernando Alexandre não podia ser mais claro e rigoroso. O director da EPM e o presidente da FEPM acabam de levar uma paulada monumental. Até a mim me doeu. E não sei se alguma vez se endireitarão.
Ainda assim, Fernando Alexandre salvou-lhes a face ao não os demitir.
Poderão agora fazê-lo, se assim o entenderem, mantendo-se em funções até que cheguem outros, mas desta nunca mais se vão esquecer. Um, sem qualquer necessidade, rico e poderoso, à beira dos oitenta anos. O outro, funcionário superior a meio da carreira. A bordoada que levaram, e que ainda atinge um terceiro elemento, entra directamente para os anais da presença portuguesa em Macau.
A partir de agora fica claro que a EPM não é uma espécie de Associação dos Advogados de Macau, ou de clube privado, à mercê do seu presidente e dos amigos; nem uma escola dirigida por um grão-mestre sombra ou por um acólito alucinado. E que a EPM se rege por critérios próprios da sua área de intervenção e de um Estado de direito, como sejam critérios de legalidade, de justiça e de transparência.
Para quem ainda não tivesse percebido como as coisas mudaram, que era imperioso voltar atrás na decisão, sob pena de ruir todo o edifício educativo e a confiança nas instituições, fica aqui a resposta de Lisboa, bem como a garantia de que práticas nepotistas não vão ser acolhidas na EPM na porta principal e com a cobertura do presidente da FEPM. Preto no branco. Agora é digerirem este sapo de proporções bíblicas.
Nada será como dantes. Fernando Alexandre, aqui, conseguiu lavrar um despacho exemplar, escrevendo claro numa folha com linhas muito tortas e num local com pouca luz e demasiado exposto às sombras, à humidade e a imprevisíveis intempéries. Tiro-lhe o chapéu pela oportunidade e rapidez de acção antes que chegue o próximo tufão.
E agora, continuando a monitorizar o que se irá passando, é tempo de dar este assunto por encerrado. Voltar ao trabalho e esperar que a paz regresse à EPM e à comunidade escolar; que os alunos possam obter os melhores resultados, saindo educados para a vida como pessoas bem formadas, competentes e responsáveis. E não com a ideia, cultivada subliminarmente durante anos numa terra de jogo, de que todos poderiam um dia vir a ser bandidos ricos, bilingues ou trilingues, e respeitados.
Isso não existe. Numa sociedade decente, num Estado de direito, numa sociedade civilizada, o crime nunca compensa. Numa bandalheira e com uma sociedade corrupta e cafrealizada sim.
Quanto aos órfãos, o melhor mesmo é mudarem de vida. Os que estiverem em idade de reforma é meterem os papéis. Para um dia não fazerem a figura destes. Os outros, os que não queiram levar o resto da vida de joelhos, é colocarem a mão na consciência, ganharem alguma vergonha na fronha e muito juízo.
Se ainda forem a tempo, o remorso genuíno e quiserem servir a comunidade.
Ou, que também estão sempre a tempo, cultivarem convicções sérias e socialmente úteis. Não as ditadas pelo oportunismo circunstancialista com o generoso aval dos avençados subservientes da imprensa, sempre disponíveis para irem a correr buscar o microfone, a câmara de filmar e os amendoins quando os sobas de que dependem querem botar discurso para os indígenas e fazer "passar a mensagem".
Dos ímpios não será o Olimpo. Nem o Reino dos Céus.
Já os justos, os íntegros, esses, terão sempre lugar em qualquer lado. E serão bem recebidos pelos seus pares. Somos todos filhos de um Deus maior.