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Delito de Opinião

Declaração de voto

José Meireles Graça, 23.09.21

Domingo há eleições, mas têm pouco interesse.

Os executivos municipais sabem que não podem mexer no quadro de pessoal senão para o engordar, que devem subsidiar festas e a “cultura”, arranjar os jardins e tratar da recolha de lixos, dar uma mãozinha às freguesias, regular o trânsito e o estacionamento, tratar dos cemitérios e do abastecimento de água, e, em todas estas coisas e uma miríade de outras, serem muito modernos.

Se a moda é infernizar a vida do automobilista, “requalificando” ruas pelo expediente de lhes alargar os passeios, que se limitam com pilaretes, pois que seja; se a UE dá milhões para fazer ciclovias, mesmo onde as cidades não são planas e por isso nem um só automóvel é substituído pela bicicleta, que não serve para ir às compras nem para levar os miúdos à escola, ou os velhos ao centro de saúde – venham elas, as ciclovias, que a canalhada vai para lá pedalar ao lá-vem-um, equipada a preceito no Decathlon; se há dinheiro para separar o lixo é que é já a seguir, umas vezes enterram-se uns contentores gigantones e outras faz-se umas ilhas às cores onde os munícipes separam com gosto os detritos, seguros que é assim que se faz “lá fora”.

Pavilhões multiusos onde os cantores da moda vão ganir as melodias que ficam no ouvido, e mesmo as que não ficam, ou onde se fazem feiras temáticas; um museuzinho onde se recolhem uns trastes com vago interesse regional ou histórico; o centro cultural onde se fazem exposições de fotografia ou de pinturezas contemporâneas, quando não se passam umas fitas cinematográficas cujo enorme interesse um indivíduo encardido, com caspa e óculos, vem explicar aos gentios; a piscina, se não houver mar ou rio, casos em que, no primeiro, se autoriza a construção de um paredão de prédios em frente à praia e no outro se instala com desvelo uma praia fluvial; a rotunda que artistas consagrados enriquecem com as suas esculturas, ou o que por isso passa no parecer dos entendidos: são tudo exemplos do que se toma por gestão municipal. E, embora geralmente sem grande entusiasmo, as câmaras municipais chegam a ponto de fazer saneamento e pavimentar arruamentos degradados, ainda que nestes, desgraçadamente, jamais consigam que as tampas do dito fiquem à face.

Esta, a gestão municipal, entra em paroxismo com o aproximar das eleições, seguros que estão os edis de que o eleitor médio, se vir muitas obras, fica satisfeito, mesmo sabendo que a urgência é interesseira, e as obras nem sempre as mais judiciosas ou necessárias.

Tudo isto está próximo da vida do cidadão, muito mais por vezes do que o que se discute na AR. Mas o salário mínimo, ou o médio, ou a pensão, ou o que diga respeito à saúde, ou ao ensino, ou à liberdade de opinião, ou à legislação penal, ou qualquer outra legislação que não seja de posturas, não está em discussão. E por isso estas eleições são vistas, com alguma razão, como um ritual.

Há no plano nacional escolhas de políticas, e no local sobretudo de pessoas, que se distinguem umas das outras porque quem não está diz que fará melhor as mesmas coisas que faz quem está. Que isto é assim prova-se pelo facto de quase sempre quem esteja ganhe, mesmo que tido por corrupto, mesmo que parlapatão, mesmo que, em casos extremos, um completo imbecil, da variedade que chega a acreditar no que diz em discursos de Mirabeau de aldeia com internet. O eleitor que acha muito bem o que faz o senhor Presidente vai lá, à urna; o que não acha bem nem deixa de achar, mas é ferrenho do mesmo partido ou pelo contrário da oposição, também; e os outros ficam em casa, que de todo o modo isto de políticos, como sabe com grande certeza e imensa superioridade quem não se dá ao trabalho de votar, é tudo farinha do mesmo saco.

Uma visão demasiado negativa, a minha? Talvez, mas de um abstencionista é que não é, mas antes da variedade de eleitores que, não tendo ilusões sobre o prodigioso acervo de tolices que mora nas municipais cabeças, que reproduzem democraticamente os disparates que habitam as dos eleitores, ainda assim não esquece que estas eleições, como todas, têm uma leitura nacional.

Leitura nacional no conjunto e também num ou noutro município em que as coisas possam mudar, por razões circunstanciais.

Lembro-me de dois casos: um é o da Figueira, onde o antigo menino dourado do PSD se reformará, produzindo talvez algum bem. É justo: Santana Lopes nunca teve gravitas, que sempre substituiu por uma mercurial inconstância, mas é impoluto e serviu. Os pecadilhos que Sampaio pretextou para lhe calçar uns patins empalidecem perante os abusos sul-americanos do governo em funções, que Marcelo e os comunistas de serviço amparam; e quem lhe verberava a inconsistência para o desempenho das funções de líder do PSD deve estar satisfeito porque lá consistente Rio é – na asneira.

O outro é Lisboa, a sala de visitas do país. Uma sala de visitas onde todos os erros da gestão municipal aparecem magnificados pela mediocridade estentórea de Medina e a abundância de dinheiro: a descaracterização, o ódio ao automóvel, a obscuridade da gestão das empresas municipais, o caos dos transportes públicos, a torrefacção de recursos, a elefantíase dos quadros, a via dolorosa dos licenciamentos, a obsessão com ciclovias e quanto modernismo acéfalo anda no ar, e um longo etc. que boas cabeças na Assembleia Municipal e no espaço público não cessam de denunciar.

Moedas não é, por muitas razões, personagem que esteja no meu altar de figuras públicas, aliás singularmente pouco povoado. Mas tem superfície, enquanto Medina, a despeito do colo da comunicação social, é uma inexistência intelectual. E em Lisboa como no resto do país o PS faz parte dos problemas, não das soluções. No dia em que a direita regresse ao poder (e esse dia virá, fatalmente) será precisa uma oposição, cujo papel é essencial. Mas nem para isso este PS serve, embrulhado que está em comprometedoras alianças com partidos antidemocráticos, envenenado com tiques autoritários e manipuladores e mexicanizado na promiscuidade com uma comunicação social que, na sua maior parte, para renascer precisa de falir.

De modo que, seja por amor a Lisboa (sim, há quem ame aquela cidade, valha-os Deus) ou ao país, há que votar Moedas.

E aqui, na minha cidade? O candidato da coligação PSD/CDS nem sei quem é, nem desejo saber o que pensa, que é para não me incomodar, mas tem o meu voto – o PS é quem está, e deve ser removido.

CDS? Foi desse partido que me desfiliei publicamente, em texto que a mim já interessa pouco, ao partido quase nada e à opinião pública absolutamente, o que tudo está na ordem natural das coisas.

Mas o Chega! defende soluções, em matéria penal, que bastam para me pôr a milhas, mesmo sem escabichar outros aspectos programáticos; e a IL, para onde se inclina a maior parte dos meus amigos, é regionalista, credo. Como a regionalização é uma porta aberta para o gigantismo do Estado, a promoção da corrupção e a diminuição da liberdade (308 terreiros do Paço são uma visão dos infernos, o original tem ao menos a virtude de ficar longe), e eu sou centralista com um Estado mínimo, t’arrenego.

Temos então que me ofereço para exemplo. Quem não for comunista, não tiver negócios com o município, nem dele depender, ou não acreditar no senso de frei Anacleto Louçã e na fé venezuelana que as suas assessoras no Parlamento professam; ou quem for socialista mas achar que este PS precisa de uma cura de oposição: tem um remédio, vota onde vir o símbolo do CDS.

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