Declaração de voto
(Continuação de ontem)
E então, o que diz Rui Ramos, uma das melhores cabeças no espaço público, que recomenda surpreendentemente o voto neste homem-plasticina? Diz isto: “Não consigo descortinar nenhuma vantagem em enfraquecer a Presidência da República nos próximos cinco anos; pelo contrário, vejo várias desvantagens”.
Eu consigo: A força do Presidente é a que lhe dá o lugar, não a dimensão da vitória que conquistou. Um presidente que ganhou por 51% não tem menos força do que um que ganhou por 65%.
Isto como princípio de conversa. Depois, Rui Ramos embarca num processo de intenção aos descontentes do CDS, e ao Chega! e a IL, que teriam interesse em cascar no Presidente, e colá-lo aos anos negros do descalabro socialista, “para captarem o suposto ‘descontentamento’ dos eleitores do PSD e do CDS”.
Algo disto haverá. Muito menos, em todo o caso, que o descontentamento dos tais eleitores, que é bem real: Marcelo desiludiu-os.
Ainda na mesma senda, pergunta: “Em que medida é que o poder de António Costa será abalado se o Presidente tiver um resultado que possa ser interpretado no sentido de o limitar no exercício das suas funções? A quem interessa debilitar o Presidente?”
Não há forma de abalar o Presidente: a vitória na primeira volta, que Marcelo tem garantida, é por definição concludente; uma diminuição dos votos não o “limita”; e Marcelo já deu abundantes provas de, dos poderes, ter a interpretação de que servem para ser exercidos na exacta medida da popularidade que não lhe belisquem. Reforçar a votação em Marcelo serve para reforçar a sua majestade vácua, e para mais coisa nenhuma.
Continuando: “É bom registar o óbvio: trata-se da única instituição do regime não capturada pelo poder socialista – depois das ocupações do Banco de Portugal, da Procuradoria Geral da República e do Tribunal de Contas. Dir-me-ão: mas o Presidente deveria tê-las evitado. Não vou discutir isso. Pergunto apenas: uma vez consumadas, qual a vantagem em contribuir para anular a instituição que ainda está de fora da colonização socialista?”
O raciocínio não colhe: Marcelo não evitou, podendo tê-lo feito nos casos elencados, a colonização do aparelho de Estado pelo polvo socialista. Razão pela qual devemos concluir que a instituição presidencial é a única que está fora “da colonização socialista”. Não está – e é esse o problema.
A seguir, um bom ponto: “Nas actuais eleições, é o único candidato – com a natural excepção de André Ventura – a reconhecer o Chega como um partido democrático. Por isso mesmo, é também o único candidato de quem se poderá esperar que dê posse, se isso se proporcionar, a um governo apoiado numa maioria parlamentar de direita como a dos Açores”.
Verdade, e tanto Ferreira como a candidata Gomes e Marisa decerto se recusariam a dar posse a um governo de coligação apoiado numa maioria de direita, nem ninguém espera daquelas paragens outra atitude. Mas não vão ganhar as eleições, pois não? É por acaso razoável pensar que Mayan (que aliás também não vai ganhar), diga o que disser, faria a mesma coisa que aquelas três avantesmas? A IL, de que Mayan é um rebento, precisa de se afirmar, e fá-lo com intransigência porque não é um partido de poder nem tem a carga histórica do PSD e do CDS. Mas falemos claro: É improvável que a IL não apoie um futuro governo de direita, quase tão improvável como o CDS.
Rui Ramos tem razão num ponto, implícito no texto: A direita ou regressa ao poder unida ou não regressa. E regressará quando a Europa deixar de bancar o forró, ou outro qualquer acontecimento futuro imprevisível agora que abale a república podre; assim como o retorno de Passos Coelho, no dia em que Rio for despedido, pode modificar os dados. Mas não estamos aí.
No que estamos é numa eleição de um boneco articulado que pode ser chamado a presidir, em vez de a um pântano, a uma esperança. E que o fará com a desenvoltura que se lhe reconhece, desde que não corra o risco de receber, em vez de aplausos, assuadas. Até lá, que cada um diga o que quer. Razões por que, a seguir, declararei, a quem me acompanhou até aqui e estará porventura num estado de incontrolável ansiedade, o meu voto.
(Continua amanhã).