Declaração de voto
Marcelo será o grande vencedor das eleições, que bom para ele. Isto suscita uma pergunta retórica, na qual acavalo outra: Vale a pena, quando ninguém tem dúvidas sobre o resultado, fazer eleições? Ademais: Vale a pena votar quando nunca nenhuma eleição se decidiu por um voto, e portanto o voto de cada um não decide nada? Abaixo se responde, se esquissa o perfil de cada concorrente e o significado das respectivas candidaturas, se esclarece se Marcelo é, como diz ser, de direita, se a extensão da vitória tem, como afirma Rui Ramos, importância, e, a final, de brinde, em quem votarei eu.
Despachemos a retórica: Não realizar eleições porque se tem a certeza do resultado é depositar excessiva fé nas sondagens, que podem ser manipuladas, e sê-lo-iam de certeza se houvesse a possibilidade legal de não fazer eleições. Do resultado eleitoral, além disso, decorrem interpretações que vão para além da vitória do ungido, desde logo a hierarquia dos derrotados e, tentativamente, das famílias políticas que os apoiam. Quanto ao voto de cada qual: Ou se aceita com humildade que o nosso voto é irrelevante ou, ficando em casa porque não vale a pena, se reforça a influência dos que nunca ficam e se enfraquece a democracia, que é, como é sabido, um regime abominável, com excepção de todos os outros. A atitude correcta para quem entende que nenhum candidato atinge os mínimos olímpicos é votar nulo (e não branco porque o boletim pode ser preenchido).
É impossível que a votação nos candidatos apoiados por partidos não implique uma leitura da popularidade dos próprios partidos. Não será assim com Marcelo, cujo andor é carregado por três irmãos de circunstância, dos quais o primeiro é muito diferente dos outros dois, por ser baixo, gordo, rico e corrupto; o segundo de estatura meã, ambicioso e com uma casa onde lavram surdamente quezílias, por o seu representante ser actualmente, digamos assim, um pouco limitado; e o terceiro mais alto, amigo do segundo, da missa e dos pobres, com uma casa que já viu melhores dias. Saber em que medida cada um deles concorreu para a vitória há-de ocupar as circunvoluções de quem se ocupa de tais maravalhas nas semanas a seguir às eleições.
Mas esta dificuldade de destrinça não aflige dois dos outros candidatos, que, por não terem personalidades particularmente exuberantes, se identificam perfeitamente com os seus partidos:
João Ferreira poderia ser substituído por qualquer dos membros do Comité Central sem que se notasse a menor diferença no discurso. Pode ser que ganhe algum voto extra de alguma maluca que, por o achar atraente (é a opinião das mulheres que preopinam nas redes), caia daí abaixo. Mas isso, estatisticamente, será irrelevante – João Ferreira vale, porque é jovem e parece moderno, um pouquinho mais do que o PCP, um fóssil vivo;
Marisa Matias representa bem o Bloco: diz-se social-democrata, ao mesmo tempo que reclama mais despesa pública quando a dívida já é a maior da história do país; quer uma expansão da intervenção do Estado quando este já está omnipresente na economia e na vida dos cidadãos; e exige maior impostagem dos ricos quando estes já são uma espécie em vias de extinção nas nossas paragens. É uma moça geralmente prazenteira, que diz coisas com a convicção generosa de que não são asneiras. Deve valer ligeiramente mais do que o Bloco, uma carraça enlouquecida incrustada no lombo do nosso atraso que seria de interesse público começar a secar. Será?
Por hoje, é isto. Amanhã continua, que eu não ando aqui para cansar ninguém e quero manter o suspense.