De novo o verde, o azul e o laranja (3)
A parte de Bornéu que corresponde ao estado de Sabah tem a norte a vila de Kudat, a oeste Kota Kinabalu (KK) e as ilhas ocidentais. A sul fica a fronteira com Sarawak e o Bornéu indonésio, e a leste situam-se as cidades de Sandakan, Lahad Datu, Semporna e Tawau. Semporna é a porta de entrada no paraíso de Sipadan. O miolo da ilha é ocupado por florestas, montanhas, vales e constitui habitat de alguns dos mais extraordinários primatas.
O orangotango, o tal cujo ADN é em 97% igual a nós e capaz de fazer uso de ferramentas, continua a viver em liberdade, até ver, nas florestas de Bornéu. A sua população caiu drasticamente no século XX devido à caça ilegal. A situação é actualmente um pouco melhor devido à atenção dada pelos Governos locais e à presença de organizações internacionais viradas para a sua protecção e de outras espécies ameaçadas. Basicamente há três tipos de orangotangos nesta parte da ilha: o de nordeste, o de noroeste e o meridional. Só por si valem uma viagem. Na parte indonésia, em Kalimantan, e em Sarawak ainda é possível ver alguns exemplares, e nos últimos anos indivíduos criados em cativeiro têm sido restituídos ao seu habitat natural.
Outra espécie endémica é a do macaco-narigudo ou Proboscis. Muitos vivem em zonas ribeirinhas, ao longo dos rios que marcam a geografia da ilha, repartindo as árvores com uma imensidão de pássaros, alguns da família, digo eu pelo seu aspecto, das araras, catatuas e papagaios, com cores vivas, mas cujos nomes não registei.
A oferta hoteleira, como em quase toda a Malásia, país desde há muitos anos virado para o “turismo de qualidade”, é em geral boa a nível de infra-estruturas e instalações. As grandes cadeias internacionais estão lá, embora haja também grupos locais, com instalações de muito boa qualidade e um serviço que normalmente é bom.
O povo de Sabah é extremamente prestável, educado e simpático, recebendo os portugueses com muito apreço. Para além de Ronaldo, Figo, Bernardo Silva (os jogos do City e do Man. United são seguidos em esplanadas apinhadas) e mais alguns compatriotas, como o vice-campeão do mundo de Moto2, o nosso Miguel Oliveira, que rodava por esses dias em Sepang, registei o dia em que apanhei um Grab, a versão local da Uber, cujo motorista, muçulmano, ao saber que os passageiros eram de Portugal, disparou um sonoro “1511, Afonso de Albuquerque, have you ever been in Malaca?”.
Seja por influência de Albuquerque ou não — consta que os holandeses deixaram muito pior memória —, certo é que se nota uma influência profunda do catolicismo. Ao longo das estradas sucedem-se nas vilas e aldeolas as tabuletas com a indicação de pequenas igrejas, não falo de uma ou duas, mas de largas dezenas, todas com nomes de santos que nunca se repetem, e placas alusivas, por vezes ao lado umas das outras, apontando em diferentes direcções, havendo uma devoção grande a Maria. Confesso que não me apercebi anteriormente de nada disto, o que não deixa de ser curioso sendo a Malásia uma federação de estados islâmicos. Bem sei que estou numa zona mais remota, de acesso mais difícil, longe da península, mas também vi vacas nalguns locais passeando-se calmamente, como se estivessem na Índia ou no Nepal, inclusivamente à beira das praias.
Tirando as ilhas mais distantes e sem condições, por tradição come-se bem por estas bandas. Porco é que não. Nem vê-lo. E mesmo num hotel como o Le Méridien havia um aviso bem explícito dizendo que não serviam porco nem seus derivados. Ao pequeno-almoço havia um sucedâneo do tradicional "bacon", creio que feito de aves; as salsichas e carnes frias também eram do mesmo clube. Uma tragédia rapidamente ignorada e ultrapassada.
Em KK há restaurantes para todas as bolsas. O vinho é carote, normalmente do Chile, Argentina, Austrália, EUA ou Itália. Português nem vê-lo. A oferta existente é muito razoável, e se voltar a KK, para além dos restaurantes de alguns hotéis, são de reter o esplêndido Il Gusto, de um siciliano criado em Milão e que há trinta anos vai abrindo e fechando restaurantes pelo sudeste asiático, cujo carpaccio de atum é divinal, o Landróluxe, este no Api-Api Centre, senhor de um magnífico “lobster bisque” e de uns raviolis de caranguejo e camarão que provei e ficaram nas papilas da minha parceira, e o indiano Mother India, no novíssimo Oceanus, junto ao passeio marítimo. Há também um mexicano, o El Centro, a atirar para a tasca, com bons tacos, óptimos brownies com gelado e cerveja gelada, muito frequentado por expatriados. Quanto aos comes fica ainda uma palavra para o Restoran Sri Melaka, onde é possível saborear, para além do tradicional “rendang beef” (uma espécie de carne de cozer de vaca estufada com especiarias), um prato típico conhecido como “assam pelas”, que pode ser de camarão ou de peixe (há quem também o faça de carne). Trata-se de uma espécie de caril dos ditos com vegetais, acompanhado com arroz branco.
Quanto ao mais, a cidade de KK tem alguns parques, muitos mercados e feiras, pequenas galerias de arte, uma esplêndida marginal com uma zona pedonal frequentada por novos, velhos e amantes da corrida, de manhã à noite. Nas imediações fica uma das duas grandes mesquitas, havendo ainda dois museus, etnográfico e marinho, além de um edifício pioneiro que é venerado por muitos arquitectos, com a estrutura assente numa única coluna, todo em aço e vidro, e que alberga a biblioteca do Centro de Estudos do Bornéu. Há ainda um comboio muito interessante, que só funciona às quartas e sábados, e que faz uma viagem ao passado colonial, quando havia plantações de borracha e de café no interior, as quais só eram acessíveis recorrendo ao North Borneo Railway. As termas sulfurosas a 40 km de KK, recomendadas para diversas maleitas, são normalmente inundadas por locais e turistas chineses, e o Sabah Tea Garden, um tesouro que produz um dos poucos chás orgânicos do mundo (dizem os prospectos), onde se podem fazer pequenos trekkings e ver miríades de insectos num passeio nocturno são outros atractivos.
A última nota que vos deixo é uma recomendação: se fizerem tenção de se aventurarem para estas terras não venham sem pulseiras anti-mosquito, repelentes para pulverizar extensivamente pés, pernas e braços, loções do tipo “Caladryl”, com que a minha Mãe me massajava na infância, ou anti-histamínicos tópicos. As picadas por vezes são muito incomodativas e em especial ao pôr-do-sol, nalguns locais mais próximos da água, logo à porta dos hotéis, e nalgumas praias (Pantai Dalit, por exemplo, onde fica o Shangri-La Rasa Ria Resort é lindíssima, mas quando saí de lá parecia que tinha uma porção de Emmental aquecido colada à testa, tal foi o banquete durante a curtíssima sesta) somos atacados por verdadeiros esquadrões de combate. Não vale a pena arriscar.
E boas viagens. Porque como alguém dizia quando eu era pequeno, espartana e filosoficamente, "lembra-te que no dia em que partires só há três coisas que não te tiram: o que leste, o que comeste e o que viajaste." Podia acrescentar mais duas ou três, mas para o que interessa estas são quanto basta.