De mordaça e cravo
Há duas semanas, o presidente da Assembleia da República enfureceu-se com um vice-presidente da bancada do PSD porque este partido tinha "deputados a mais" na sala de sessões do parlamento. Há dois dias, com uma rispidez muito semelhante, o mesmo Ferro Rodrigues insurgiu-se contra um deputado do CDS que protestava contra a anunciada presença de mais de duas centenas de pessoas no mesmíssimo local, a pretexto da celebração do 25 de Abril. Praticamente mandando calar o deputado, sob a alegação de que aquele tema não era para tratar ali. Como se entre as competências da segunda figura da hierarquia do Estado estivesse a de fornecer guiões aos deputados para falarem daquilo que ele considere politicamente correcto.
É inaceitável que para o trabalho regular no hemiciclo apenas um quinto das bancadas devam estar preenchidas, alegando-se grave risco sanitário, mas para celebrar o feriado esse risco esmoreça ao ponto de ser expressamente ali autorizada a presença de um terço dos deputados. Com o alto patrocínio do Presidente da República, que há quase um mês se apressou (e bem) a cancelar as cerimónias do 10 de Junho, Dia de Portugal. E no preciso local onde por esmagadora maioria já se autorizou por três vezes um estado de emergência que impõe a clausura compulsiva dos cidadãos e a supressão de vários direitos e liberdades. Incluindo o direito de manifestação, o direito de reunião, o direito de resistência, o direito à greve, a liberdade de circulação, a liberdade de emigração e a liberdade de culto.
Irão suas excelências comparecer de mordaça (perdão, de máscara) e cravo? Eis uma original forma de "celebrar Abril".