De como um prémio pode ser uma forma de assédio moral
Atribuir a Maria Teresa Horta, em 2017, o quarto lugar ex-aequo do Prémio Oceanos, que é o mais importante prémio literário para literatura de língua portuguesa ( à excepção do Prémio Camões, claro - mas esse é um prémio de consagração pela totalidade da obra, e aliás é também escandaloso que Maria Teresa Horta ainda não o tenha recebido) representa uma forma de assédio moral, uma humilhação que a obra da autora de Minha Senhora de Mim e As Luzes de Leonor de forma alguma merece, e a que as regras mínimas da mais elementar educação deviam tê-la poupado. Não achavam Anunciações - a obra em causa neste prémio - digna do Prémio? Não a premiassem, e assumissem essa decisão. Dar-lhe um rebuçadinho para dividir com outro menino é que não é coisa que se faça a uma autora que, desde 1960, quando publicou a colectânea de poemas Espelho Inicial, até hoje, construiu uma obra ímpar, com mais de 40 livros publicados.
Maria Teresa Horta é uma voz absolutamente singular, original e renovadora na poesia contemporânea de língua portuguesa; isso mesmo tem sido realçado por alguns dos mais notáveis poetas e críticos - como Ana Luísa Amaral, que se estreou na poesia em 1990 com Minha Senhora de Quê, glosando e dialogando com Minha Senhora de Mim (1967). Escreve sobre o desejo das mulheres pelo corpo dos homens com um desassombro, uma exactidão e uma liberdade que abala todos os preconceitos e incomoda visivelmente muitas e mui solenes eminências pardas. Tem talento e tem leitores, dois pecados que só se admitem a um escritor do sexo feminino se aparecerem separados, com fumos de humildade e contrição, para exorcizar o poder que unidos representam.
Os prémios podem ajudar a divulgação e a tradução dos livros, é certo, mas, em última análise, são fenómenos temporais e temporários; nenhum conjunto de jurados tem o poder de fazer entrar na posteridade, ou excluir dela, nenhum autor. Tolstoi perdeu o primeiro Prémio Nobel da Literatura, em 1901, para o escritor francês Sully Prudhomme, que ninguém hoje lê nem se sente tentado a publicar. Virginia Woolf, Marguerite Yourcenar, Marguerite Duras e Clarice Lispector nunca o receberam, e continuam a deslumbrar gerações sucessivas de leitores. Para quem se sente permanente e infinitamente grato à obra de Maria Teresa Horta, como é o meu caso, é indiferente que os seus livros cintilantes como relâmpagos sejam ou não reconhecidos por este ou por aquele grupo de inteligências críticas suas contemporâneas; mas que, ao cabo de 57 anos de um trajecto literário de raro pioneirismo e inovação se lhe ofereça um prémio de consolação e a meias com outro escritor, é simplesmente ofensivo.
Dir-me-ão que o Prémio Oceanos contempla livros e não carreiras. Fraca e frequente desculpa, nesta nossa época de imorais relativismos, em que a literatura se tornou uma passarela de moda onde só brilha - e brevemente - a carne fresca. Mas mesmo assim, pergunto: leram Anunciações? A sério?