Das vacinas aos vinhos passando pelos golos
Neste mês de Agosto que chegou ao fim, três temas dominaram as atenções dos telediários. Desde logo, a pandemia. Mas com alusões mínimas ao que se passa lá fora: é uma pandemia especial, muito nossa, muito portuguesa. O mundo andará melhor? Abrem-se luzes de esperança nos cinco continentes? Difícil saber espreitando as janelas representadas pelos principais blocos noticiosos da SIC, da TVI e da RTP: o que ocorre para além de Valença ou de Vila Real de Santo António interessa quase nada às televisões portuguesas.
Na última semana do mês, o Jornal da Noite, da SIC, dedicou em média 11 minutos ao tema covid-19. Foi o campeão nesta área, derrotando a concorrência: a RTP, à mesma hora, reservou 8 minutos à questão enquanto a TVI lhe atribuiu 6,5 minutos igualmente em termos médios.
Ao longo destes sete dias, observados e cronometrados com atenção, o destaque individual vai também para a SIC: chegou a ocupar 19 minutos e 10 segundos com isto. Indiferente à crescente aversão dos telespectadores às imagens de agulhas espetadas em braços à hora do jantar. Quase sempre as mesmas, aliás, extraídas dos arquivos.
Segue-se um clássico dos nossos telediários: o desporto. Ou antes, o futebol.
Portugal é um dos raros países que em matéria desportiva tomam a parte pelo todo: quase não sobra espaço nem tempo para mais nada. Aqui o primeiro lugar do pódio coube ao Jornal das 8, da TVI: 12 minutos, em termos médios, consagrados à bola nesta semana em que Agosto se despediu. Seguiu-se a RTP, com 6,5 minutos. E aqui a SIC só conseguiu ser terceira: 5,5 minutos, em média, por cada bloco noticioso em sinal aberto no horário nobre.
Mas o canal que já teve sede em Carnaxide recuperou vantagem noutra área temática privilegiada neste Verão semi-desconfinado: a do lazer. Com roteiros de festarolas e romarias, sugestões de pernoitas e lautas mesas, vistas desafogadas a contemplar prados verdejantes ou a imensidão oceânica, esbeltos tornozelos mergulhados à borda da piscina. Nada menos do que 18 minutos do Jornal da Noite, em termos médios, foram preenchidos em louvores à boa vida nessa última semana completa de Agosto. Esmagando a concorrência: a TVI ficou-se pelos 9,5 minutos e a RTP não ultrapassou os 4,5 minutos.
No último sábado do mês, superando-se a si própria, a SIC ocupou 33 minutos e 24 segundos com este bloco. Noutros telejornais, de outros países, este é o tempo que habitualmente se reserva ao conjunto das notícias do dia.
Verdadeiras notícias, não roteiros gastronómicos e recreativos.
Valha a verdade que, nesses sete dias, os três canais concederam atenção a outras matérias: o drama do Afeganistão, o congresso do PS, o estado de saúde do antigo presidente Jorge Sampaio. Mas nada tão constante, tão reiterado, tão obsessivo como esta insólita trilogia: coronavírus, futebol e boa mesa.
Do espectáculo das agulhas a penetrar na pele ao da bola a entrar na baliza. Com um copo de vinho a rematar. A televisão, como a vida, é feita de estranhas parcerias.
Texto publicado no semanário Novo