Das teorias de conspiração e narrativas afins
Sempre fui, estruturalmente, avesso a teorias de conspiração.
Este tipo de teoria é, como se sabe, omnipresente nas sociedades ocidentais, particularmente desde o Iluminismo. Ainda assim, noto, enquanto português, algumas nuances culturais, interessantes neste fenómeno. De sociedades mais individualistas e com grandes aglomerados urbanos, como a americana, brotam normalmente teses grandiosas, assentes num plano elaborado da cúpula do poder para subjugar o mundo, passando por cima dos cidadãos indefesos. Em sociedades mais pequenas e coesas, mas ao mesmo tempo com uma distância ao poder maior, embora se ouça também estas teorias importadas, as teorias elaboradas e sistemáticas são substituídas por uma explicação mais genérica para os acontecimentos, ligada à teia de interesses “desses”, os que estão no “poleiro” e que se “favorecem uns aos outros”, “para viverem à grande”.
De uma forma ou de outra – dizia eu – houve sempre algo subjacente a essas teses que me retraiu e afastou, de um modo quase visceral. Com o passar dos anos, fui racionalizando essa desconfiança e percebendo que residia naquilo que é o substrato deste tipo de narrativa.
A popularidade destas teorias de conspiração resulta, na minha opinião, da conjugação entre duas características antitéticas: simplicidade na formulação e complexidade na implementação do plano em que assentam. A primeira cativa a atenção do ouvinte e a segunda deslumbra-o.
Relativamente a esse primeiro ingrediente – o simplismo da forma – os proponentes deste tipo de narrativa explicam, tipicamente, factos políticos, económicos ou sociais como tendo por com base a acção concertada e pronta de um pequeno número de poderosos. Sucede – e aqui entra a segunda característica – que por trás desta mensagem simples está uma complexidade operacional dificilmente verosímil. Com efeito, explicações deste tipo ignoram, na maioria dos casos, a complexidade inerente aos processos sociais. Por um lado, desconsideram os interesses inevitavelmente conflituantes entre indivíduos e entidades opostas, por maior que seja a diferença relativa de forças. Por outro lado, assumem o funcionamento harmonioso de uma teia de interesses intrincada e que passa por um sem número de intervenientes sem nunca se quebrar ou – particularmente duvidoso – gerar fugas de informação (porque, para uma teoria destas, não basta o sucesso na implementação do plano; é também necessária a sua ocultação do público). Ora, a experiência ensina-nos, muitas vezes de forma dura, que dificilmente os sistemas humanos funcionam desta forma. Só, lá está, nos filmes. De resto, este tipo de linearidade, a verificar-se, colocaria num plano particularmente delicado, o sem-número de historiadores e jornalistas que dedicam anos de vida à recolha de informação sobre determinado facto.
A um nível mais subliminar, um outro ingrediente característico deste tipo de tese que me causa particular aversão é o facto de no discurso do seu proponente estar, por norma, implícita uma visão da vida e da sociedade – uma abordagem perante o mundo –, que explica os insucessos, próprios ou do grupo em que se está inserido, em função de factores exógenos. É uma perspectiva que conduz facilmente à inércia e à desculpabilização, porque assume o mundo como algo pré-determinado – ou, mais precisamente, hétero-determinado –, no qual se está condenado e, por conseguinte, se é também inimputável das próprias acções.
É, ao mesmo tempo, particularmente inglório o esforço de refutar este tipo de conjectura. Por um lado, sendo uma conspiração, inevitavelmente, secreta, a impossibilidade de comprovar a teoria, em lugar de enfraquecer a posição de quem a defende, neste caso fortalece-a, ao mesmo tempo que torna impossível qualquer tipo de contra-argumentação. Por outro lado, quem ousa rejeitar a validade de uma explicação cínica, valendo-se de factos comprováveis, é inevitavelmente catalogado como ingénuo ou, pior, ‘feito’ com o sistema.
Não pretendo neste relato presumir a inexistência de processos de decisão e de acção que escapam aos comuns-mortais. Qualquer pessoa que não viva isolada num bunker sabe que existem e já viu alguns serem desvendados. No entanto, rejeito suportar-me nesse tipo de visão para explicar a maioria dos acontecimentos com que me deparo. Querer tornar essa fórmula norma é acreditar que vivemos num mundo que não podemos influenciar, uma visão porventura confortável mas que me parece conduzir sobretudo à apatia