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Delito de Opinião

Das minas de ouro à mina da Caixa

Joe Berardo

Pedro Correia, 12.07.21

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Dois Presidentes da República – Ramalho Eanes e Jorge Sampaio – honraram-no com o título de comendador, que ainda ostenta. Marco na biografia deste filho de humilde família madeirense, um de sete irmãos, forçado em 1963 a emigrar para a África do Sul, com visto de trabalhador agrícola, como tantos dos seus conterrâneos. Mas o momento supremo na vida de José Manuel Rodrigues Berardo, 77 anos recém-completados, foi-lhe proporcionado em 2006 por José Sócrates. Com selo oficial: a criação do Museu Berardo em instalações do Estado, no luxuoso cenário de Belém, entre vénias de inúmeros “agentes culturais” e passadeira vermelha desenrolada pelo Governo ao homem que passava por ser o quinto mais rico do país.

Quando regressou à pátria, um quarto de século após ter emigrado, José já era Joe. Irradiava fortuna, intitulava-se empresário, aludia à riqueza amealhada em minas de ouro sul-africanas. Fazia-se fotografar em festas sociais, mostrava-se entre os influentes. Ampliou a conta bancária especulando na Bolsa. E desatou a comprar como se não houvesse amanhã. Beneficiando do crédito de uma banca complacente e de uma supervisão financeira que pecou por falta de comparência.

Comprou carros de luxo, hotéis na Madeira e a histórica Quinta da Bacalhoa em Azeitão, participou no capital da SIC, tentou até comprar a SAD do Benfica. Investiu em arte. O dinheiro nunca estava em nome próprio, mas da labiríntica Fundação Berardo, criada em 1988. E era movimentado com crédito sobre crédito, em doses sucessivas e até certo ponto incessantes. Ponto culminante: a tentativa de se apoderar do Banco Comercial Português, recorrendo a 400 milhões garantidos pela Caixa Geral de Depósitos, certamente com luz verde do Governo.

Terá agido como testa-de-ferro do poder político na tentativa de controlo daquele banco privado? Funcionou como moeda de troca para a instalação da chamada Colecção Berardo junto ao Mosteiro dos Jerónimos, no maior equipamento cultural público português, com o beneplácito de Sócrates e do seu ministro das Finanças, Teixeira dos Santos? Tudo matéria agora em investigação a cargo do Ministério Público num processo que só peca por ser tardio.

O filho do modesto vinhateiro madeirense é suspeito de 13 crimes - incluindo burla agravada, fraude fiscal, administração danosa e branqueamento de capitais. Terá provocado um rombo superior a mil milhões de euros a três instituições bancárias: CGD, BCP e Novo Banco. Só à Caixa, entretanto recapitalizada graças ao esforço dos contribuintes portugueses, os créditos malparados totalizam 268 milhões. 

Foi detido para interrogatório e libertado três dias depois, sendo-lhe imposta uma caução de cinco milhões de euros. Ao ritmo a que funciona a justiça portuguesa, talvez nunca mais volte a ser detido.  Mas hoje não sentirá vontade de soltar gargalhadas, como fez em 2019, na comissão parlamentar de inquérito à gestão da Caixa, com a arrogância de quem ostenta duas comendas e trata por tu vários políticos. Agora é a sério, já não dá para rir.

 

Texto publicado no semanário Novo

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