Dar luta à salmonela, inimiga declarada do SNS
Graça Freitas
Entramos em Julho e apetece dar graças (o trocadilho aqui funciona) por faltarem ainda 30 dias para que chegue o temível Agosto. Porque, acima de qualquer outro, esse é o mês menos recomendável para necessitar de cuidados médicos, segundo a advertência feita aos portugueses pela mais credenciada fonte: a directora-geral da Saúde.
No seu posto de incansável zeladora e cuidadora do sacrossanto Serviço Nacional de Saúde, Maria da Graça Gregório de Freitas, 64 anos, lançou o aviso: «A pior coisa que nos pode acontecer é adoecer em Agosto.»
Fala do que bem conhece, pois encontra-se desde 2018 à frente da autoridade sanitária nacional, onde aliás já antes pontificava como subdirectora. Poucos como ela podem pronunciar-se com tanta minudência sobre a manifesta incapacidade do SNS em prestar cuidados de saúde a quem cá vive. E também a quem nos visita, pois o mês que vem costuma atrair dezenas de milhares de turistas a este recanto soalheiro da Europa.
É indispensável que estes forasteiros desembarquem prevenidos com um manual de instruções para enfrentarem a precária rede sanitária pública. A menos que tenham a intenção expressa de experimentarem uma modalidade de turismo radical enquanto “utentes” (palavra agora muito na moda) da urgência de um hospital – incluindo naquelas unidades que há poucos anos eram consideradas modelos de excelência, quando estavam sob gestão privada. Como o de Braga, um dos estabelecimentos que há dias encerraram durante 24 horas o serviço de urgência de ginecologia e obstetrícia por falta de clínicos disponíveis. Cenário de terceiro mundo naquela que se orgulha de ser a cidade mais jovem do rectângulo lusitano.
Já conhecíamos a posição da ministra da tutela face ao colapso da rede hospitalar e ao contínuo êxodo de médicos para o sector privado: confrontada com críticas de todas as latitudes ao ponto de se ver forçada a interromper as férias, Marta Temido nomeou uma comissão para analisar o caso antes de voltar a banhos. Faltava ouvir Graça Freitas, também dotada de notáveis atributos oratórios. Valeu a pena esperar. A directora-geral rompeu o silêncio para nos recomendar máxima precaução contra o consumo do popular bacalhau à Brás. Porque este prato é confeccionado com ovos, que em período estival têm o risco acrescido de conterem salmonelas, fonte de intoxicações alimentares.
A salmonela – tal como os privados, que “só visam o lucro”, na perspectiva da coordenadora do Bloco de Esquerda, e os velhos “barões da medicina” diabolizados em lapidares versos do poeta Ary dos Santos – é inimiga declarada do SNS, do estado social, das “conquistas de Abril”.
Há que dar luta à salmonela, evitando adoecer. Sobretudo em Agosto, mês de todos os perigos. E há que evitar dar à luz, genericamente, durante todo o Verão na segunda nação mais envelhecida da Europa. A menos que se queira aguardar nove horas numa “urgência hospitalar” – se por acaso estiver aberta.
Este país não é para grávidas. Bem-haja, doutora Graça Freitas, pelo clarividente alerta que nos deixou.
Texto publicado no semanário Novo