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Delito de Opinião

Da Tragédia ao Apocalipse

Luís Naves, 31.07.24

O Irão acusa Israel de ter assassinado em Teerão o líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, convidado para a tomada de posse do novo presidente iraniano Masoud Pezeshkian (Israel ainda não assumiu o ataque). Três filhos e quatro netos de Haniyeh (alguns deles crianças) tinham sido mortos há quatro meses. Ontem, o exército israelita matou um dirigente do Hezbollah, no Líbano, em retaliação por um bombardeamento atribuído à milícia xiita libanesa, nos Montes Golã ocupados por Israel, incidente onde morreram doze jovens drusos.

A morte de Haniyeh pode ter dois efeitos imediatos: o agravamento da crise e a radicalização do Hamas. O Hezbollah, apoiado pelo Irão, promete retaliar e os iranianos estão furiosos pelo que consideram ser uma acção de guerra. Enfim, o barril de pólvora está pronto a explodir. Tendo em conta que acabou de ser assassinado o interlocutor mais moderado do lado do Hamas, o qual será substituído por alguém ainda pior, estamos a assistir a erros sistemáticos de Israel? Ou a intenção é provocar uma guerra alargada, para resolver os problemas de uma vez por todas com apoio americano? Não sabemos, mas é fácil imaginar cenários de Apocalipse.

O que sabemos é que ali ao lado, na Faixa de Gaza, ocorre uma tragédia, perante o silêncio complacente do Ocidente. Um dos exércitos mais poderosos do mundo ataca com impunidade uma população indefesa. Sensivelmente do tamanho da Ilha Terceira, o território de Gaza tem pelo menos dois terços da sua infraestrutura destruída, bairros inteiros arrasados, sistemas de saúde e saneamento em colapso. Os doentes crónicos estão a morrer, três em quatro mães recentes não conseguem amamentar os filhos, o lixo acumula-se e os esgotos escorrem pelas ruas sem tratamento. A água é insalubre e a população de 2,3 milhões de pessoas (já serão menos) não recebe abastecimento alimentar suficiente.

O governo israelita salvou poucos reféns e está a cometer um crime que vai perseguir a nação durante duas gerações. Cria a inspiração para futuras guerrilhas que farão do Hamas um grupo de escoteiros. Os bombardeamentos mataram quase 40 mil pessoas e calcula-se que nas ruínas dos milhares de edifícios demolidos estejam outras 10 mil vítimas enterradas. Um estudo da revista científica The Lancet fazia uma estimativa de mortes directas e indirectas na ordem de 180 mil pessoas, que os autores consideravam conservadora. Entre 7% a 9% da população, está lá escrito, para nossa vergonha.

O mundo faz como Pilatos, lava as suas mãos, e aceita com cobardia o argumento israelita de que estão a ser cumpridas as regras humanitárias. A vida em Gaza será impossível, amanhã e durante muitos anos. O território está a ser enviado para a idade da pedra e isto não é uma metáfora, mas um plano declarado. Tudo isto tende a piorar. É uma das batalhas da III Guerra Mundial. A América vai fornecer as armas, a Europa fornece o silêncio, Israel fornece os alvos e os palestinianos fornecem os cadáveres.

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