Da inutilidade dos esforços
Romances e política I: OS MAIAS (1888)
Talvez o melhor romance português de todos os tempos, Os Maias é um poderoso libelo contra o precário Portugal do século XIX, que amanheceu absolutista, tendo no trono uma rainha louca, e anoiteceu pré-republicano, sufocado pelo espectro da bancarrota. Das Invasões Francesas na etapa inicial ao Ultimato britânico ao cair da cortina, sofremos de tudo: ocupação estrangeira, pronunciamentos militares, a traumática independência do Brasil, uma crise dinástica, uma sangrenta guerra civil. O país novo prometido pela revolução liberal de 1820 desaguara no pântano do rotativismo à sombra da Carta Constitucional com o seu cortejo de cabecilhas incompetentes, eleitos num simulacro de democracia.
Este enquadramento político propiciava elites partidárias, financeiras, culturais e jornalísticas corrompidas pelo ar do tempo. Em evidente contraste com a ancestral ousadia dos portugueses que conquistaram a independência e deram novos mundos ao mundo. Virtudes e defeitos plasmados em três gerações da família Maia: o respeitável avô Afonso, o débil filho Pedro e o ocioso neto Carlos nascido já com a monarquia constitucional consolidada, espelho de uma geração marcada pelo veneno do diletantismo que contaminava a atmosfera do reino e proclamava a inutilidade de todos os esforços pela regeneração social nesta «choldra ignóbil».
Carlos da Maia, médico que não exerce, é inseparável companheiro de João da Ega, escritor que jamais publica: deambulam ambos por essa Lisboa onde o destino do País se jogava «entre a Arcada [Terreiro do Paço] e São Bento». Nunca a capital portuguesa foi descrita de forma tão modelar na ficção literária como nesta obra-prima de Eça de Queiroz, cultor da arte realista, capaz de examinar a sociedade à lupa e de a dissecar com bisturi fazendo entrar em cena um incomparável desfile de personagens.
Figuras representativas desse tempo. Que é também, de algum modo, o nosso tempo. Há coisas que nunca mudam por cá.