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Delito de Opinião

Da igualdade e da liberdade

Pedro Correia, 10.04.17

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Há quem enalteça a igualdade como o valor mais nobre da democracia. Mas um relance pela história dos últimos decénios demonstra que isso não corresponde à verdade.

Em nome da igualdade foram cometidos alguns dos maiores crimes do século XX. O extermínio de pequenos agricultores russos e ucranianos que não se submeteram à norma "igualitária" da Revolução de Outubro. O internamento em campos de "reeducação", a humilhação pública e as sevícias que desabaram sobre o embrião de classe média nos anos desvairados da pseudo-Revolução Cultural na China maoísta. A igualdade utópica erigida em dogma supremo que justificava os mais cruéis anátemas, como a liquidação de qualquer indivíduo que usasse óculos – esse absurdo símbolo de uma cultura "decadente" – no Camboja sujeito à mão de ferro de Pol Pot.

 

Depois das escabrosas experiências de engenharia social feitas pelos maiores tiranos apostados em garantir a "igualdade", o termo passou a ser um dos mais corrompidas da nossa época.
George Orwell tornou bem evidente esta irremediável corrupção lexical, em que a palavra serve apenas de camuflagem para ocultar o seu significado oposto, na mais corrosiva fábula política de todos os tempos – O Triunfo dos Porcos (Animal Farm, 1945), quando se torna inequívoco, aos olhos de todos os animais que habitam a quinta, que “uns são mais iguais do que os outros”. Precisamente os que integram a camarilha triunfante, formando uma nova classe – igualitária no verbo, despótica no mando.
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Ao contrário do que supõem algumas boas almas, o valor mais nobre da democracia não é a igualdade – é a liberdade. A "igualdade", como já se viu, pode coexistir com a mais aberrante ditadura (reina a "igualdade", por exemplo, entre todos os prisioneiros num campo de concentração).
Mas nunca haverá democracia sem liberdade. Não pode haver.
“A liberdade é preciosa – tão preciosa que deve ser racionada”, assegurou Lenine, numa das maiores proclamações de cinismo político de que há memória. Mas que é também uma notável - embora involuntária - homenagem do fundador do Estado soviético a essa aspiração suprema da condição humana que é a liberdade. Que só mantém o seu valor facial quando é aplicada sem racionamentos.
Até contra a igualdade, se for preciso.

8 comentários

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    Luís Lavoura 10.04.2017

    Talvez com exemplos a coisa se entenda melhor.
    Numa democracia o valor supremo é a igualdade. Todos os homens têm igualmente direito a um voto. Portanto, se, numa sociedade de 100 homens, 99 homens votarem a favor de que o 100º seja declarado um "inimigo do povo" e posto na prisão, então é isso mesmo que será feito: o 100º homem será privado da sua liberdade pela vontade dos outros 99.
    No liberalismo o valor supremo é a liberdade. Portanto, se, numa sociedade, um homem decidir que quer deixar a sua ampla propriedade em pousio em vez de nela cultivar trigo, enquanto que nessa sociedade todos os outros 99 homens passam fome, então é isso mesmo que será feito - o homem é livre de deixar a sua terra inculta, mesmo que todos os outros passem fome.
    Precisamente porque se considera que ambos estes resultados extremos são indesejáveis é que se tenta conjugar (compatibilizar, equilibrar) os dois valores - a liberdade e a igualdade - num regime chamado "democracia liberal" (o qual regime pode assumir diferentes formas constitucionais, claro).
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    Pedro Correia 10.04.2017

    Nunca cessarei de me espantar com certos "liberais", que varrem a liberdade para o fundo da escala de valores.
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    jo 10.04.2017

    Um exercício um pouco fútil.
    São necessárias liberdade e igualdade, não percebo qual é o interesse de colocá-las numa escala.

    Também é necessária alguma riqueza - para os que estão a morrer à fome na Somália, por exemplo, isto é uma discussão bizantina. Os refugiados que se afogam todos os dias no Mediterrâneo vêm à procura de liberdade e igualdade e os europeus dizem que eles são menos iguais que eles e que têm toda a liberdade de se deitar a afogar.

    Estar a discutir se a liberdade vem primeiro que a igualdade é um pouco como perguntar a uma criança se gosta mais do papá ou da mamã, um exercício inútil.
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    Pedro Correia 10.04.2017

    Nunca é de mais, num mundo ameaçado em várias frentes por regimes autoritários, acentuar o primado da liberdade. Precisamente a palavra que os tiranos mais odeiam.
    Também nunca será "fútil", ao contrário do que você sustenta, lembrar que algumas das maiores atrocidades políticas do último século foram cometidas em nome da utopia da "igualdade".
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    Einstürzende Neubauten 10.04.2017

    Tem ouvido as noticias?!!

    "Nunca é de mais, num mundo ameaçado em várias frentes por regimes autoritários"

    O único totalitarismo que existe é o do dinheiro. Do negócio. Das multinacionais, e das instituições internacionais que impedem que cada um de nós decida o que quer para o seu país e torna o voto uma inutilidade.
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    Pedro Correia 10.04.2017

    É isso mesmo: só há totalitarismo onde há dinheiro. A Suíça, por exemplo, é bem conhecida pelo seu regime totalitário. E a Coreia do Norte, talvez hoje o país mais totalitário do planeta, é imensamente rica.
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    Einstürzende Neubauten 10.04.2017

    Não, a Suíça é conhecida pela opacidade do seu sistema bancário. É o asilo de muito do dinheiro sujo, dessa gente que foi responsável pela crise financeira Quanto à Coreia do Norte , não sei um chavelho...aquilo parece estar fechado a cadeado....mas o Kim parece-me chanfrado
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