Da dependência como estratégia política
O governo e a sua maioria parlamentar todos os dias maldizem a UE, mas dependem totalmente da Comissão Europeia e do BCE, e nada fazem para diminuir essa dependência. É este o mecanismo da dependência em Portugal: quanto maior a dependência da população em relação ao Estado, maior a dependência do Estado em relação às instituições europeias.
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Não é possível imaginar a liberdade política sem cidadãos independentes e uma sociedade civil forte. Mas o açambarcamento de recursos pelo Estado reduziu a independência da classe média a um ideal sem futuro. Só os juros e o petróleo baratos compensam, por enquanto, o assalto fiscal. Se acrescentarmos a isso o enfraquecimento das grandes instituições tradicionalmente autónomas (Forças Armadas, Universidade, Igreja), ou a descapitalização das empresas, a conclusão é óbvia: o único freio e contrapeso dos governos em Portugal já não está dentro do país, mas fora. Só a Comissão Europeia e o BCE, na medida em que condicionam o financiamento do Estado, limitam neste momento o poder governamental sobre uma sociedade cada vez mais envelhecida, empobrecida e dependente. E é por isso que tudo isto, tanto como um problema económico, é um problema político.
Rui Ramos, no Observador.
É por isto que o PCP acaba por ser o membro mais honesto da «geringonça»: não esconde a aversão à União Europeia e ao euro. Os comunistas sabem que a utilização da dependência como estratégia política funciona durante pouco tempo num sistema em que não se controla a impressão de dinheiro e no qual as crises de financiamento obrigam a cortes de rendimento que a inflação não disfarça, bem como à venda de empresas públicas a grupos privados (para mais, quase sempre estrangeiros, dado os nacionais irem ficando sem capacidade financeira). A União Europeia é pois um travão ao caminho para a sociedade integralmente subjugada aos interesses do Estado que os comunistas desejam, ignorando estoicamente nunca ter sido possível implementá-la em grande escala e com sucesso em lugar algum, e também que todas as tentativas realizadas levaram à pobreza e à opressão (mas os pobres são menos exigentes e mais fáceis de controlar por qualquer Estado).
Já o PS e a facção que controla o BE pretendem algo ligeiramente diferente: uma sociedade de dependentes, sim, mas com ilusões de cosmopolitismo que exigem um nível de vida razoável. (No PS muita gente sabe que o modelo do PCP é uma aberração e no Bloco, paradigma da esquerda 'intelectual' e caviar, predomina a retórica - e, sendo caridoso, o voluntarismo - sobre qualquer modelo real.) Para conseguir - ou, mais precisamente, para manter - esta sociedade de dependentes do Estado apenas moderadamente infelizes, socialistas e bloquistas dispõem-se a suportar actos de subserviência regulares perante os parceiros da União Europeia, aceitando reprimendas e jurando intenções de mudança que nunca concretizam na totalidade. (O BE tem aqui uma vantagem competitiva: estando - ao contrário do Syriza - fora do governo, até pode manter o discurso enquanto engole pequenos sapos.) Claro que ciclicamente a situação fica insustentável - o dinheiro acaba e é necessário tomar medidas duras em troca de mais. Mas é nestes momentos que os partidos de centro-direita (cuja existência o PCP tolera mal) revelam a sua utilidade. Num país de dependentes do Estado, serão sempre - e apenas - a brigada de limpeza. PS e BE sabem-no. Quanto ao PCP, neste tema muito menos hipócrita, espera a sua grande oportunidade - a saída de Portugal da União Europeia.