Crónicas sobre esta estreita faixa de terreno (2)
Hoje vou falar-vos de oliveiras. As galinhas podem esperar.
As oliveiras aqui do sopé da Serra dos Candeeiros são maioritariamente da variedade galega. Tradicionalmente estas árvores eram de grande porte, com cinco ou seis metros de altura e oito ou dez de diâmetro. Noutros tempos, em que a mão de obra era jovem e abundante, subir a essas alturas não era um problema, mas com o passar dos anos, e com a mudança etária que o mundo rural sofreu, os acidentes na apanha da azeitona começaram a ser um tema incontornável. Todos os anos pelo menos uma pessoa conhecida sofria um acidente grave ao cair de uma oliveira e, pouco a pouco, as árvores foram sendo 'derrotadas' com podas mais curtas tornando-se mais baixas e, por vezes, até desproporcionalmente largas.
Além da questão da segurança, a oliveira tem de ser podada para não ficar com o seu interior muito cerrado. A planta esforça-se muito mais para manter toda aquela vegetação e isso reduz a sua produção. Além disso, uma oliveira muito fechada complica muito a apanha da azeitona. O ano que se segue a uma destas podas é sempre menos produtivo, mas a prazo é uma boa opção.
As ovelhas entregam-se com afinco às sobras destas podas e rapidamente fazem desaparecer todas as folhas. É um ciclo perfeito. O excesso aparentemente inútil das oliveiras transforma-se em alimento. Sobram ainda os ramos que, agora despidos de folhas, servem para atear o forno, e até que esse dia chegue são um poiso muito apreciado pelas galinhas para pernoita.
A apanha da azeitona é naturalmente um momento especial para os olivicultores. É o inicio da última fase de vários meses de trabalho, e que só termina quando se vai buscar o azeite ao lagar.
O minifúndio, que aqui é maioritário, permite que em poucos dias se resolva o assunto e, mesmo para os menos idosos que ainda trabalham, é vulgar guardarem-se uns dias de férias para esta altura do ano.
Não conheço por aqui quem subsista exclusivamente da produção de azeite. Esporadicamente poderá ser um complemento de rendimento, mas na maioria das vezes é apenas uma forma de ter azeite caseiro suficiente para gastar todo o ano e para dar à família e amigos. É também uma forma de pagamento a quem, que não sendo da família, tenha ajudado na apanha.
Normalmente a colheita é também o motivo, não menos importante, para reunir a família. Existe uma forte vertente pessoal e familiar em tudo isto. A relação com o olival é alimentada por uma mistura de posse do território com homenagem a quem o planeou e concretizou. Manter um olival é manter um espaço, as suas plantas e o propósito que foi concretizado há muitas décadas atrás pelos pais ou avós.
Mesmo que não conscientemente, quando se planta um olival, se cuida dele com a ajuda dos filhos, irmãos e outros familiares está-se também a passar uma mensagem e a consubstanciar uma intenção.
O azeite produzido desta forma tradicional e tão pessoal fica muito mais dispendioso do que o que se consegue com métodos intensivos e muito mais profissionais. Tem havido diversas mudanças no enquadramento legal de toda esta actividade e no geral todas têm reforçado as vantagens do efeito de escala conseguido pelas explorações intensivas.
Em abstracto os subsídios agrícolas irritam-me, mas o maior subsídio que se poderia dar a este tipo de agricultura era não lhe complicar mais a vida. Um olival tradicional pode durar muitos mais anos que a idade do actual regime político somada à do anterior. Mas mesmo assim há sempre mais uma norma emanada pelo ministro de turno, porque agora é que se vão resolver os problemas e enriquecer os agricultores. Nisto sinto-me especialmente liberal. Não mudem mais regras porque isso é, demasiadas vezes, o melhor que um governo pode dar ao seu país.
Apesar de tudo isto ainda vai havendo quem insista em manter esta tradição, e este ano adivinha-se mais produção que no ano passado.