Criar memórias
Meia hora de voo num teco-teco e outros 20 minutos em barca de pescador. Uma vez instalado na aldeia, percebo que a electricidade é episódica. O aldeão que me acolheu na sua casa sugere-me que não adoeça: não só é desagradável, como o hospital mais próximo está a quase duas horas de distância. Pela mesma razão, avisa que o melhor é não entrar no mar nem no rio: os tubarões-touro gostarão da companhia, mas o sentimento não será mútuo. Banho só no chuveiro. Pede desculpa por iniciar a conversa com avisos, mas esta parte da América Central é pouco meiga com europeus de cidade - não me quis chamar flor de estufa, foi amável.
Neste pedaço de natureza bruta ninguém quer saber de Trump, de Boris, da Comissão Europeia ou de bichos semelhantes. A única geringonça de interesse é a que permite sacar água doce do poço. O ritmo do dia e os afazeres são ditados pela altura do sol e pelas marés. Tudo o resto são realidades longínquas - ou até completamente ignoradas.
Estive caído do planeta e acho que nunca fui tão feliz.