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Delito de Opinião

Costa

José Meireles Graça, 08.11.23

O homem foi de vela e deixa uma herança pesada: o país foi ultrapassado ao cabo de 7 anos (entre 2016 e 2022), no PIB por cabeça em paridades de poder de compra, pela Estónia, Lituânia, Hungria e Polónia; e ainda não tinha sido, mas está a caminho de o ser, pela Bulgária, Croácia, Letónia e Roménia (suponho que esta já em 2023). E aumentou ainda mais a sua distância da Bélgica, Chéquia, Dinamarca, Alemanha, Irlanda, França, Itália, Chipre, Luxemburgo, Malta, Holanda, Áustria, Eslovénia, Finlândia, Suécia, Islândia e Noruega.

O desempenho de Portugal apenas superou o da Grécia, Espanha, Eslováquia e Reino Unido (este já caído fora do baralho).

Isto significa que o argumento segundo o qual os países do Leste cresceram mais porque beneficiaram dos anos iniciais da adesão, como a nós sucedeu a partir de 1986, vale quase nada. E se nos lembrarmos que a Europa cresce, ela própria, menos do que o resto do mundo, então percebe-se que vamos para a última carruagem de um comboio em perda de velocidade. E, com a União e a sua cornucópia de milhões ou sem ela, o velho trauma do atraso relativo, que nos acompanha há cerca de 200 anos (com interregnos de 60 a 73 e no consulado cavaquista) está para durar.

Só isto, que já não é pouco? Não. Nada foi feito para combater o inverno demográfico; a juventude, que já é escassa, dá à sola para pastagens mais verdes porque a Educação formou-os às resmas para uma economia que não oferece oportunidades; o Estado engordou, como a carga fiscal, que já é sufocante; o SNS, a grande conquista socialista de Abril, conseguiu induzir um sector privado pujante para tapar os buracos do público em colapso (o capitalismo é terrível: um mínimo de liberdade económica e mete-se em todos os interstícios. Se queriam um SNS absolutamente público deveriam ter tido o cuidado preventivo de fazer um regime cubano); a Justiça é uma anedota triste; e vai por todo o lado um grande mal-estar – casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão.

Há quem tenha razão, claro, mas o eleitorado não a vê porque, de mil maneiras, o regime ligou todo o progresso ao Estado e à União, decapitou o grande capitalismo nacional e nunca o deixou renascer, e transformou a vida das pessoas e das empresas numa camisa de forças tão apertada que qualquer reforma fere interesses, a maior parte dos quais legítimos.

Que se dane a teoria de que as elites não prestam: vivemos numa democracia imperfeita, como são todas, mas com razoável liberdade de expressão, eleições limpas e nos prazos, e funcionamento razoável das instituições políticas. O que está é o que o povo quer que esteja. E mesmo que só metade, ou pouco mais, do eleitorado, se dê ao trabalho de votar, os que ficam em casa fazem-no voluntariamente, e portanto delegam.

Costa entra aqui: ganhou com uma cabriola política o seu primeiro mandato e o eleitorado coonestou a habilidade dando-lhe uma maioria absoluta (como a Sócrates) na eleição seguinte; e no processo destruiu, para pagar o preço do apoio da comunistada antiga e da moderninha, qualquer hipótese de modernização séria, após o que largou os antigos aliados no mato. E estava para lavar e durar até ontem. O diabo foi o ver-se envolvido, caído das nuvens, num processo-crime que não lhe deixou outra saída senão demitir-se.

Que fique claro: ao contrário de boa gente bem-pensante, não creio na inocência do homem nem acredito que fosse apenas uma singular incapacidade de avaliar pessoas o que o levou a rodear-se de personagens pouco recomendáveis. Mas não sou nem juiz, nem magistrado do MP, nem justicialista, nem tenho indevido respeito pela opinião pública, lesta a endeusar nulidades, que compensa amarrando os poderosos ao pelourinho quando estes caem abaixo do cavalo. E pelo contrário entendo que num Estado de Direito, não estando ninguém acima da lei, também o Ministério Público não deve gozar de poderes insindicados. Não digo pelo Governo, porque senão teríamos a raposa de guarda ao galinheiro, mas por algo mais do que a roda livre.

Sucede que Sócrates esteve preso sem culpa formada (a partir de fins de 2014), para ser investigado sem interferência, e não foi julgado até hoje. O alegado entrave de sucessivos recursos e expedientes dilatórios, e a falta de meios, é sobretudo um cansado mantra de magistrados para justificar a sua prodigiosa ineficácia.

Talvez devesse este precedente (e a existência de políticos inocentes com a vida escavada pelo Ministério Público, como Miguel Macedo) recomendar prudência. Sócrates já não era PM, mas este é. E que um político no activo, eleito e reeleito, seja obrigado a demitir-se por ser objecto de uma acusação gravíssima (formalmente não há acusação mas é mencionado no comunicado do MP, o que só se compreende se este achar que é conivente) só é justificável por haver indícios que constituam um sólido edifício acusatório. E NÃO se justifica se for agora que se começam a recolher provas pelo sistema de rede de arrasto.

A minha opinião sobre a culpabilidade, expressa acima, é apenas isso – uma opinião à qual, como cidadão e eleitor, tenho direito. Mas o meu poder exerci-o não votando em Costa nem comprando a sua propaganda ou a da imensa turba acéfala que o rodeia; o do Ministério Público, porque acusa e propõe detenções, precisa de provar sem margem para dúvidas, e em tempo útil. Que neste caso não deve exceder uns três ou quatro meses, e já é muito.

Porque a majestade da Justiça existe não em nome dos magistrados (para mais apenas ancilares do tribunal, como os do Ministério Público) mas do Povo. O mesmo que elegeu Costa.

É provável que a minha seita (a dos conservadores e liberais, muitos dos quais podem ser, e são, designados pela esquerda demente, com perdão da redundância, por fascistas), não aprecie a veemência. É que, ao contrário do que dizem os reformados nas conversas que lhes ouço no café, não acho que seja bem feita, que os de cima não são mais do que os outros, e pelo contrário entendo que se se trata assim um PM, como não se tratará um pobre diabo que ninguém conhece?

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