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Delito de Opinião

Dizer não às idiotices

Alexandre Guerra, 31.10.18

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Barbara Broccoli e Daniel Craig/Foto: The Guardian

 

A mudança dos tempos implica, quase necessariamente, a mudança das mentalidades. É uma evidência que decorre da evolução das sociedades ao longo da História. São processos morosos e que não acontecem de um dia para o outro. Não se mudam mentalidades por decreto e muito menos por imposição. A questão é que, nos últimos anos, tem-se assistido a uma aceleração incontrolável para a instituição de modelos de pensamento que resultam, em parte, dos excessos da globalização e da (r)evolução das tecnologias de informação /comunicação, com a emergência, por exemplo, do fenómeno das “redes sociais”, onde impera uma espécie de anarquia e que acaba por ditar tendências. São estas tendências, impostas sobretudo por essas novas “massas” digitais, que, de forma imparável e a uma velocidade louca, têm contribuído para uma certa histeria e cegueira no processo de decisão, de forma a ir ao encontro daquelas que passaram a ser as “convenções socialmente aceites”, comummente o chamado “politicamente correcto”, na convivência entre os cidadãos da polis. E o problema é que estes processos (mesmo aqueles que têm fins mais virtuosos) se desenrolam de forma desenfreada e irreflectida, cometendo-se abusos, exageros e, muitas vezes, absurdos monumentais.

 

A cultura pop, nomeadamente através do cinema e da televisão (leia-se, séries), tem sido quase mimética no eco que faz dessas “exigências” que se fazem ouvir ruidosa e ferozmente nas “redes”. Exigências que, mascaradas com uma pseudo-tolerância e com o mote da defesa da igualdade de direitos, acabam, na verdade, por esconder preconceitos e ideias castradoras, conduzindo ao disparate. Disparates como aquele que, há uns tempos, começaram a circular, sugerindo que uma das personagens masculinas mais icónicas da história do cinema das últimas décadas poderia, na verdade, dar lugar a uma mulher. Felizmente, teve que ser uma mulher a ter a coragem para vir dizer que James Bond continuará a ser um personagem masculino (obviamente) e com as características que lhe são inerentes. Quem o disse foi Barbara Broccoli, a produtora da saga 007 e filha do histórico “Cubby”, que, juntamente com Harry Saltzman, foi quem trouxe o espião dos livros para o cinema.

 

“Bond is male. He’s a male character. He was written as a male and I think he’ll probably stay as a male. And that’s fine. We don’t have to turn male characters into women. Let’s just create more female characters and make the story fit those female characters.” Com esta frase proferida ao The Guardian há umas semanas, Barbara Broccoli pôs fim a um infeliz devaneio, alimentado não se sabe bem por quem, mas, certamente, por alguém que olha para a causa dos direitos de igualdade com as lentes distorcidas do fanatismo. E Broccoli foi ainda mais longe ao reconhecer que James Bond não é propriamente um ideal feminista e que muitas características não seu ADN nunca mudarão. É uma das produtoras mais poderosas da indústria do cinema, precisamente por deter os direitos de James Bond, e quem tenha acompanhado com atenção a evolução da saga dos filmes 007 nos últimos 20 anos, constata que Broccoli foi uma das primeiras a introduzir alterações relativas ao papel da mulher e à forma como o agente secreto as via, indo ao encontro da tal mudança dos tempos. Mudanças que foram sendo graduais sem desvirtuar a essência de 007. Mas a verdade é que nos dias que correm, onde reina um ambiente de “caças às bruxas”, as palavras de Broccoli pressupõem coragem e determinação contra os extremismos da idiotice, sendo de salutar a sua sensibilidade na defesa de algo que continua a alimentar o imaginário de muitos de nós, homens e mulheres.

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