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Delito de Opinião

Convidado: MAURÍCIO BARRA

Pedro Correia, 29.05.17

 

Delitos de opinião

 

 

Primeiro Delito

Após a Comissão Europeia recomendar que Portugal deve sair do Procedimento por Défice Excessivo, encerrou-se simbolicamente o período que Portugal levou a recuperar (vá lá, ainda está no recobro) da gestão danosa, incompetente, irresponsável e (alegadamente) criminosa de Sócrates, que, enquanto foi primeiro-ministro, nos levou à beira do abismo da bancarrota.

O mérito desta saída, diz-se, foi do governo de Passos Coelho, que trouxe o défice de 12% para os 3%, e do governo de António Costa "que prosseguiu com sucesso esta caminhada histórica" (sic SIC)

Ora bem, este mérito não é uma estatística.

Este mérito foi uma obrigação.

Que durou oito anos.

E quem a pagou fomos todos nós, os portugueses.

Com o PSD, por um lado, e o PS, por outro lado, a imporem-nos as suas receitas que deveríamos cumprir para as pagarmos.

Mas, ao que parece, vamos ser obrigados a continuar a pagar.

Porque nenhum deles, nas funções de Estado para que foram eleitos, procedeu ao ajustamento estrutural do défice da República.

 

 

Segundo Delito

O ajustamento estrutural do défice, as famosas reformas estruturais, não se fizeram, nem se fazem, porque não interessam ao “centrão de interesses políticos e económicos” que se revezam e ocupam alternadamente a “mesa do Estado”.

Vivemos num sistema político endogâmico, que já vai na terceira geração, com uma lógica de ocupação do poder por parte de grupos de afinidades com um único objectivo: controlar o orçamento de Estado, compartilhar os interesses económicos, estar por “dentro “ das decisões financeiras (um caso exemplar foi a saída do Ministro Álvaro Santos Pereira do governo de Passos Coelho: enquanto estávamos todos distraídos com o rigor económico de Vítor Gaspar, o grande inimigo a abater era o verdadeiro reformista desse governo que queria uma economia de mercado a funcionar normalmente, com regulação, escrutínio, investimento em novos sectores estratégicos, sem protecção aos monopólios rendeiros da economia portuguesa. Foi corrido. Paulo Portas fez o seu “número” e o tempo, que entretanto passou, demonstrou os resultados que se pretendia com a sua ridícula irrevogabilidade).

Somos um país pequeno, com uma economia de mercado limitada, onde poucas grandes empresas controlam os vectores essenciais da economia (energia, combustíveis e comunicações), onde as PME’s (sobretudo P’s) ora investem, criam emprego, exportam e alimentam o mercado interno, ora estão muitas vezes descapitalizadas dependendo de apoios “distribuídos” pelo Estado, com uma miríade de micro empresas familiares que são as veias capilares desta economiazinha, com um sistema financeiro em grande parte arguido e em trânsito para ser julgado, que tenta, qual fénix, ressurgir do pântano imoral e antiético em que se afundou, com um quadro legislativo que em parte resulta das relações espúrias de grupos parlamentares permissíveis a interesses particulares, com uma pequena economia paralela que garante a parca sobrevivência e os últimos resquícios de dignidade de trabalho a quem pouco ou quase nada tem, um país onde três milhões setecentos e oitenta e dois mil portugueses se levantam todos os dias para ir trabalhar para sustentarem as suas famílias e as receitas do Estado, e seiscentos e sessenta e três mil funcionários do Estado têm emprego garantido com benefícios por motivos eleitorais (com a excepção merecida dos que trabalham na saúde, emergência, protecção civil e segurança interna e externa)*

*Dados Pordata para 2016

 

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Terceiro Delito

E assim vamos continuar?

Talvez não por muito mais tempo. Mais do que alguns desejam, menos do que alguns quereriam.

A sociedade civil que se interessa sobre a sua vida e a vida dos outros, a grande franja de moderados que não se sentem representados, os democratas que não querem que o país caia em projectos radicais que ponham em causa o seu conforto económico, social e de segurança, os que abominam e se envergonham da corrupção endémica que hoje está perfeitamente investigada e identificada, são os novos agentes de mudança e já começaram a participar nos diferentes níveis da actividade cívica. Vão querer decidir o seu próprio destino.

Ou o PSD e o PS compreendem e se adaptam ao tempo que passa, ou os eleitores desvinculam-se progressivamente. Porque eles, por si só, já mudaram.

É o Novo Centro, democrata e humanista, que despreza o “centrão”.

Nas eleições autárquicas, verificou-se isso claramente.

Nas eleições presidenciais, brutalmente.

Porque começam a estar fartos.

Estão fartos das limitações desta democracia que é uma rotunda da qual não saímos e voltamos sempre ao mesmo sítio, fartos dos complexos de esquerda e direita que estão sempre ao lado dos problemas contra as soluções, fartos das mesmas receitas ideológicas de sempre que futebolizaram e infantilizaram o combate político.

São portugueses europeus.

Não querem continuar a ser um "Portugal dos Pequeninos".

 

 

Quarto Delito

Já repararam que, se vivêssemos num regime presidencialista, o actual sistema partidário estava todo esfrangalhado?

 

 

 

Maurício Barra

(blogue GRANDE HOTEL)

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