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Delito de Opinião

Convidado: LEONEL VICENTE

Pedro Correia, 06.07.18

 

Optimista

 

Podia fazer aqui uma espécie de “pot-pourri” de temas que mais me interessam: desde a “Memória”, em termos gerais, a Tomar, mais em particular; do presente e futuro do jornalismo às perspectivas sombrias que assolam a Europa; da questão dos refugiados e das migrações às incertezas sobre as saídas profissionais dos nossos filhos (a tal geração mais qualificada de sempre); em termos pessoais, do indelével elo que, desde há cerca de quatro anos, estabeleci com a Bulgária, o país mais pobre da União, onde a extrema-direita racista chegou recentemente ao poder, tendo sob mira as minorias turca e cigana, segregadas e cada vez mais intoleradas.

Enquanto “coleccionador de histórias”, podia também recordar um episódio com contornos caricatos, que, em 1998, vivi em Bissau: o de, durante a semana, ver toda a gente a olhar para a lua, procurando antecipar o início do Ramadão – e consequente dia feriado –, que, tendo chegado precisamente na sexta-feira, me impediu de confirmar o voo de regresso, numa altura em que a ligação aérea Bissau-Lisboa estava completamente lotada e a duração da reserva no hotel tinha entretanto chegado ao fim, tal como o dinheiro de que dispunha para a missão...

Eu, que me vejo, não propriamente pessimista, mas, de forma geral, mais realista, optei, porém, por deixar aqui de lado as magnas preocupações que nos envolvem nestes dias cinzentos – por outros, bastante mais abalizados para versar estes assuntos, amiúde abordadas –, preferindo expressar, por um prisma positivo, uma outra grande paixão, como é a do desporto.

E, sobretudo, o exemplo que nos é apontado por aquele que será, porventura, o maior desportista mundial de todos os tempos, especialmente na medida em que é praticante de uma modalidade individual, em que um encontro pode chegar a durar até três ou mais horas.

Reunindo características únicas de carisma e virtuosidade, talento e versatilidade, combinando estética e técnica, empenho e profissionalismo, humildade e respeito (pelos adversários e pelo público), numa longeva carreira de mais de vinte anos, praticamente sempre ao mais alto nível – cumprem-se agora precisamente 15 anos sobre a primeira das suas vinte vitórias em torneios do “Grand Slam”, em Wimbledon –, Roger Federer conta quase uma centena de competições ganhas, com mais de 300 semanas como n.º 1 do ranking mundial, somando cinco estatuetas dos “Óscares do desporto”, os prémios Laureus, sendo, paralelamente, o atleta que maiores proventos alcançou em toda a história no decurso da sua actividade desportiva.

 

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 Roger Federer: a sua primeira grande vitória ocorreu faz hoje 15 anos

 

Logo em 2003 criou a “Roger Federer Foundation”, visando apoiar crianças carenciadas e promover o seu acesso à instrução e ao desporto, intervindo fundamentalmente na região da África Austral (África do Sul, Botswana, Malawi, Namíbia, Zâmbia e Zimbabwe), propondo-se agora abranger, num horizonte de curto prazo, um milhão de crianças!

Ora – sendo a publicidade a “força motriz” que faz girar o mundo –, depois de mais de vinte anos como rosto da Nike, prestes a completar 37 anos de idade, o suíço aceitou passar a ser o “embaixador”, a âncora maior de divulgação, da marca japonesa de roupa UNIQLO (acrónimo para a denominação inicial de Unique Clothing Warehouse), fundada em 1984 por Tadashi Yanai, no seu trilho para se tornar uma marca global – procurando desde já notabilizar-se, gerando “buzz” ainda antes que a maior montra desportiva do planeta, os Jogos Olímpicos de 2020, chegue ao Japão –, visando suplantar gigantes mundiais como a Inditex e a H&M, tendo como ambicioso objectivo atingir, já nesse ano de 2020, os 50.000 milhões de dólares de facturação!

Percebe-se, assim, como será possível pagar a Federer – o maior “avalista” de imagens de marca do mundo, representante, entre outras, das luxuosas Rolex, Mercedes-Benz ou Moët & Chandon (só Cristiano Ronaldo e LeBron James estarão, actualmente, na sua faixa de honorários) – cerca de 300 milhões de dólares, por um contrato de dez anos (independentemente do previsto termo de carreira a curto/médio prazo) – o qual, em termos comparativos, e para se percepcionar melhor o que está em causa, acumulou, ao longo de todo o seu trajecto profissional de mais de vinte anos, um montante global de cerca de 116 milhões de dólares em prémios.

Nas palavras de Tadashi Yanai, ao anunciar esta extraordinária parceria: «Compartilhamos uma meta de operar mudanças positivas no mundo, e espero que, juntos, possamos proporcionar a mais alta qualidade de vida para o maior número de pessoas».

Ao que o grande campeão retorquiu: «Estou profundamente implicado com o ténis e com o triunfo em competições. Mas, tal como a UNIQLO, também tenho grande amor pela vida, cultura e humanidade. Partilhamos uma forte paixão por ter um impacto positivo no mundo em nosso redor, ansiando por conjugar os nossos esforços criativos».

Sem ignorar que, para a empresa, antes de preocupações a nível da sua responsabilidade social, importará, em primeira instância, o lucro – aliás, como condição determinante para a sua própria perenidade –, quero crer que não terão sido em vão as palavras de Yanai, assim como, da parte de Federer – que nem sequer teria a possibilidade física de usar em “proveito próprio” o imenso pecúlio já antes angariado (estimado em mais de 500 milhões de dólares) –, os seus actos no passado constituirão um bom garante do compromisso agora novamente expresso.

Continuo optimista que, à nossa ínfima escala individual, procurando replicar o seu exemplo, seremos capazes, cada um, de dar também pequenos contributos para uma sociedade menos desequilibrada, e, principalmente, mais solidária.

 

 

Leonel Vicente

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