Numa das suas mais sublimes canções, José Mário Branco canta: “Há sempre qualquer coisa que está p'ra acontecer, qualquer coisa que eu devia perceber, porquê não sei, porquê não sei, porquê não sei ainda.” A canção chama-se “Inquietação”, e inquietação é o que se sente quando se tenta perceber o que “está p'ra acontecer” no mundo.
A crise sistémica global que se seguiu ao estoiro, em Setembro de 2008, do Lehman Brothers deslocou o centro de gravidade do planeta para a Ásia. A classe média asiática acaba de ultrapassar a soma da classe média norte-americana com a europeia.
Estes ganhos e perdas estão a causar sarilhos em todo o lado. As classes médias dos países ascendentes lutam por mais infraestruturas e serviços públicos e as classes médias em perda, no ocidente, protestam contra os cortes e fazem crescer o voto populista e iliberal.
Isto é o que tem estado a acontecer desde 2008. Olhemos agora para o que não está a acontecer.
Em primeiro lugar, não está a acontecer inflação, como era costume quando os bancos centrais faziam injecções maciças de liquidez. Em segundo lugar, apesar de todas as tensões sociais, políticas e geo-estratégicas causadas pela crise, não houve nenhum fechamento do comércio internacional. O motor mental do livre-comércio e da convertibilidade das moedas permanece pujante.
A globalização e o seu fluxo de pessoas, conhecimento, ideias, mercadorias, capitais, vai prosseguindo imperturbável. Isto apesar do bulício dos micro-nacionalismos que querem desenhar novas fronteiras mas, paradoxalmente, precisam de um mundo sem elas.
Por exemplo, as movimentações dos curdos e dos catalães (que fizeram referendos independentistas na mesma semana) só acontecem porque existe o mercado global: os curdos dependem da venda do petróleo de Kirkuk e os catalães necessitam da “independência sem fronteiras” fornecida pela União Europeia e pelo BCE.
Nota:
Este texto deve muito a "O Fim do Poder", de Moisés Naím,
e a "A Era do Imprevisível", de Joshua Cooper Ramo
Ana Lima, Ana Margarida Craveiro, Ana Sofia Couto, André Couto, Bandeira, Cláudia Köver, Coutinho Ribeiro, Fernando Sousa, Francisca Prieto, Inês Pedrosa, Ivone Mendes da Silva, João Campos, João Carvalho, José António Abreu, José Gomes André, José Maria Pimentel, Laura Ramos, Luís M. Jorge, Marta Caires, Paulo Gorjão, Rui Herbon, Rui Rocha, Tiago Mota Saraiva