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Delito de Opinião

Convidado: JOÃO FERREIRA DIAS

Pedro Correia, 12.07.17

 

O género da discussão

 

O género é um dos temas inquietantes da Antropologia. Talvez por isso seja desagradável darmos com confusões entre Direitos das Mulheres/Igualdade entre Homens e Mulheres e Igualdade de Género. Esta confusão voltou a terreno, por estes dias, no Festival de Cannes, em que a propósito da igualdade entre homens e mulheres no cinema, assim como noutros sectores, foi discutida sobre a lapela da "igualdade de género". Este facto resulta de um problema histórico em que o género emergia culturalmente da distinção do que se concebia por dados biológicos: masculino e feminino como macho e fêmea.
Este pressuposto resultou numa atribuição cultural de significados de género a objectos, lugares da casa, elementos vários do quotidiano, como destacava Bourdieu em The Logic of Practice. Ora, esta ideia não traduz a complexidade cultural do corpo como produto sociológico, no qual se jogam memórias culturais, sentidos de identidade e expectativas normativas e alternativas por contestação.
A religião enquanto instituição que imprime códigos de conduta e moral nos sujeitos não está independente deste processo de construção de papéis sociais, de normatividades tendencialmente estanques, que se desejam eternas por sua intenção cultural de fixarem-se como contínuo social. Por outras palavras, a religião, partindo de um conjunto de padrões morais, pretende a sociedade como uma renovação desse conjunto de pressupostos, considerando as alternativas como contra-normativas. 
 
O que temos, portanto, é um conjunto de ideias acerca do corpo e do seu uso social e sexual, em que os jeitos de ser homem e mulher resultam da sociedade, mas é nela que se reciclam e permitem ressignificar-se. Assim, quando falamos de género precisamos reconhecer que este é um conceito complexo e dinâmico, em permanente reflexão, fruto de reformas sociais, como os movimentos feminista e LGBT. É, então, perigoso confinar o conceito à distinção entre homens e mulheres, pois que há mulheres cujo género é masculino, e vice-versa, e há, inclusive, novas formas de género e trânsitos entre géneros como formas de constituição de identidade.
Se em lugares remotos do nosso Portugal ser homem se constrói nos cafés, nos trabalhos pesados, e o ser mulher se edifica nas actividades domésticas, esse Portugal é apenas uma paisagem entre as várias, porque as fronteiras são muito mais diluídas, e um pai de família pode-se trajar de mulher para um perfil falso numa rede social qualquer, e uma mãe de família, na calada da noite, assistir a pornografia lésbica. Porque a sociedade é a movimentação permanente, ideias conservadoras tendem a reportar a intenções políticas mais do que a fatos sociais. 

 

 

João Ferreira Dias

(blogue A MORADA DOS DIAS)

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