Convidado: JOÃO AFONSO MACHADO
António Costa - o governo que merecemos
Aquelas duas entrevistas a Ferro Rodrigues em que, pressurosamente, ele alertava para o calendário pós-eleitoral e lembrava «primeiro se escolheria o presidente da AR», já diziam tudo. Costa, depois da sua tribunícia punhalada em Seguro, ou subia ao Poder ou, em definitivo, morria para a política.
Depois foi a pobreza dos debates, semanas a fio, confundindo a legitimidade política com a legitimidade jurídica (como antes a revolucionária ccom a democrática), e Costa a negociar os seus acordos à esquerda, enquanto ordenava às suas milícias pelejassem e calassem os argumentos contestatários da Direita.
E a Direita, incapaz de se reconhecer na Oposição, lamurienta, premonitória – qual Velho do Restelo – invocando até a vinda próxima do Diabo, tornava-se alvo fácil da chacota da Esquerda e do eleitorado em geral.
Tudo porque António Costa é o maior político português. No mais biltre sentido que ao termo se possa atribuir, claro. Não lhe foi dificil, portanto, congeminar o esquema pelo qual se colocou à cabeceira do Conselho de Ministros.
Costa sabe que a Esquerda leninista-trotskista não transige na sua missão dialéctica de votar o oposto da Direita. Por muito pouco, assim, consegue um qualquer desaguisado parlamentar para, em permanência, ter contra si o PSD/CDS e, a favor, a CDU/BE. Palhaçadas e encenações à parte – incondicionalmente.
Sabe também que somos um País virado para o futebol (e, entretanto, até para o Eurofestival), muito mais do que para a política. Ama-se Pinto da Costa, Bruno Carvalho, Luis Filipe Vieira, como se acredita piamente na inocência de Sócrates. É tudo uma questão clubística... Algo muito importante do ponto de vista eleitoral, tão importante que Costa não teme a desconfiança de quem vota, eventuais comparações com o seu antecessor, de quem, aliás, foi ministro.
Não há de que nos queixarmos, pois.
A política portuguesa já se fez de meritocratas, geralmente recrutados no sector privado, que partiam para a governação no mais puro espírito de missão. Agora ela é monopólio dos funcionários dos partidos, desses que faltavam às aulas para dactilografar comunicados lá na sede, a rapaziada das comissões e dos relatórios e do “aparelho”. Uns incontornáveis desempregados se afastados da burocracia e das tricas intestinas.
Costa nasceu assim. Alguém o imaginará a advogar, por exemplo?
É tal a sua percepção e o seu à-vontade neste estranho mundo português que Costa jamais perde o sorriso, por muito comprometedora que seja a situação. Nem uma faúlha o tocou na mortandade e no braseiro florestal deste Verão.
Não há, realmente, de que nos queixarmos.
Até porque – e Costa está atento a isso – metade dos eleitores sequer vota. E se passar a votar fá-lo-á em Costa e na Esquerda Unida, nas poucas patacas que supostamente auferem a mais, por troca com uma subida da tributação indirecta – que não sabem, nem pretendem saber, o que é.
O mesmo se diga do agravamento da dívida pública (que foi uma das principais armas de arremesso de Costa conra a PaF nas pretéritas eleições) e das famigeradas “cativações”. A Saúde e o Ensino em Portugal deterioraram-se por completo. Mas quantos perceberão porquê? Não fora a insegurança que corre os tradicionais paraísos de lazer, não fora o ocasional boom turístico com que a sorte nos contemplou, por que baixos andariam as optimistas contas públicas do Governo?
Mas tudo são conexões que a maioria dos portugueses não alcança. Por isso Costa permanece, e permanecerá, no seu estado de graça. O tempo cavalga, as próximas eleições já não tardam, e ele é o provável vencedor.
Merecêmo-lo.
Merecêmo-lo ainda porque a Direita não sabe fazer oposição. Ocorrem-me Eça e Ramalho e o seu contributo para a desmistificação do caduco Rotativismo. E, no passado recente e no presente, Medina Carreira, Pulido Valente, Caiado Guerreiro, António Barreto... Portugal necessita urgentemente de uma IV República (a antecâmara da Monarquia, mas isso é uma história a guardar para outro dia) e ela só é possível mediante a análise crítica destes e doutros e de uma seta – a ironia - apontada ao calcanhar do Aquiles Costa – o próprio Costa, ele e a sua atrapalhação quando é enfrentado a sério. Tudo a deixar bem exposto o ridículo em que vivemos sob o comando dos partidocratas e o paternal encorajamento da Europa rica.