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Delito de Opinião

Convidado: HENRIQUE P. SANTOS

Pedro Correia, 22.06.17

 

"Mas isso dos eucaliptos vais ter de me explicar melhor"

 

Quando me disseram, a rir, que eu parecia um novo consenso nacional, a propósito das reacções que fui tendo ao que escrevi sobre fogos, confesso que pensei na reacção dos que me conhecem há mais tempo e sabem da minha maneira abrasiva e excessiva de discutir.

Quando Pedro Correia me pediu para escrever um texto para aqui, sobre o que quisesse, resolvi que era a altura de repor as coisas no seu devido lugar e aproveitar para responder à frase final de um elogio que fizeram a uma das minhas intervenções e que serve de título ao post.

Há pessoas que até me dizem que compreendem essa coisa da propensão do país para o fogo, dadas as suas características geográficas, percebem isso das cabras, entendem que realmente talvez seja mais importante discutir porque não para um fogo que saber como começa, mas lá eu dizer que para gerir os fogos é irrelevante plantar eucalipto ou não, isso é que já não pode ser.

 

Em primeiro lugar gostaria de dizer que nem sempre pensei como penso hoje: como qualquer conservacionista clássico, como é o meu caso, o eucalipto estava para lá da ideia que um muçulmano tem do toucinho.

Depois comecei a olhar para o assunto com mais atenção, e a questão pode sistematizar-se nos seguintes pontos:

  1. O relevante para a evolução do fogo não é a lenha grossa mas os combustíveis finos, aquilo que, ardendo rapidamente, faz progredir o fogo. No fundo, pelas mesmas razões que ninguém acende uma lareira com tronco grossos, mas com gravetos, pinhas, carumas e coisas que tal. Esta é a base teórica;
  2. Quem estudou empiricamente o assunto (Paulo Fernandes, sobretudo, mas também José Miguel Cardoso Pereira), verifica que não há qualquer preferência relevante do fogo pelas áreas de eucalipto, pelo contrário, por ordem de preferência do fogo, temos os matos, os carvalhais, os pinhais e só depois os eucaliptais. Deve ter-se cuidado com a interpretação dos resultados no que diz respeito aos carvalhais já que a amostra é pequena e, muito provavelmente (aí a especulação é minha), boa parte dos carvalhais são carvalhais jovens que se comportam como matos altos, e não carvalhais maduros cujo ensombramento permite o controlo dos matos;
  3. Dentro dos eucaliptais há uma grande gama de situações, desde eucaliptais intensamente geridos até eucaliptais sem gestão, e o seu comportamento face ao fogo é muito mais uma função da estrutura dos matos e folhada do sub-bosque, que propriamente das árvores;
  4. Estritamente do ponto de vista económico, a fileira do eucalipto é das mais prejudicadas pelos fogos, embora largamente ultrapassada pela fileira do pinho, não havendo qualquer racionalidade económica, nem para o produtor, nem para o comprador, em queimar (isto é, fazer a mercadoria perder valor) para a vender (ou comprar, no caso do madeireiro): o preço da madeira ardida é mais baixo porque a mercadoria vale menos;
  5. A alternativa real, não a idealizada, ao eucalipto, em muitas regiões, é o abandono, não é nada de substancialmente útil para a gestão do fogo (pelo contrário, são os matos que mais ardem).

 

Dito isto, dizem-me que eu deveria defender os carvalhos com unhas e dentes, porque a sua sombra permite o controlo de matos e tudo seria mais simples. O problema com esta ideia é que raramente me explicam como se pretende passar de matos para carvalhais sem que pelo meio haja fogos que atrasem o processo.

Portanto, e pedindo desculpa aos que fiquem abalados nas suas convicções, infelizmente não é o eucalipto a desculpa mais convincente para os fogos.

Se fosse, para além da consciência tranquila, seria fácil acabar com os fogos eliminando os eucaliptos. Mas infelizmente a vida não é assim tão simples.

 

 

Henrique Pereira dos Santos

(blogue CORTA-FITAS)

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