Convidado: FRANCISCO M. VALADA
Susceptibilidades e rigor científico
Algernon: Nothing annoys people so much as not receiving invitations.
— Oscar Wilde, “The Importance of Being Earnest”
De vez em quando, há quem seja paladino do rigor científico, aniquilando-o em simultâneo. Isso aconteceu recentemente num texto do jornalista Daniel Oliveira, acerca das controversas declarações de Gentil Martins:
De outras refregas e escrutínios, é sabido que, por aquelas bandas, por única e exclusiva culpa da direcção do Expresso, o rigor tem dias.
Por isso mesmo, não fiquei agradavelmente surpreendido ao ler "susceptíveis", pois adivinhei logo o resto do enredo, com a esperada presença no texto de insuportáveis obscenidades científicas como "correto" (uma espécie de coreto com dois erres) ou "coação" (a lembrar, por exemplo, o agora extremamente ambíguo acto de coar).
Convém deixar temas complexos como o "rigor científico" – em abstracto ou até mesmo em concreto, como nos casos do artigo enquanto subclasse fundamental do determinante e da electrodinâmica quântica – a quem faz da ciência forma de vida.
A simples menção “rigor científico”, num jornal que impôs, aos seus profissionais e leitores, um código cientificamente denunciado na praça pública, é, no mínimo, engraçada.
Lamentavelmente, esta mixórdia é o pão nosso de cada dia – não só no Expresso, mas, de forma geral, em qualquer publicação que se meta nestas aventuras ortográficas, sendo o Diário da República o meu exemplo de eleição, por razões que já expliquei. Todavia, em relação ao Diário da República, o Expresso tem, no mínimo, uma agravante: não foi intimado por ninguém a adoptar o quer que fosse. O Expresso adoptou o Acordo Ortográfico de 1990 porque quis fugir para a frente e o resultado está à vista.
A atitude do Expresso perante o fenómeno ortográfico em curso não serve de exemplo a ninguém. Aliás, a silenciosa e irresponsável resistência do jornal A Bola também não. Mas não nos dispersemos. Concentremo-nos no mau exemplo do Expresso. Obviamente, em nome do rigor. Efectivamente.
Nótula: Há convites irrecusáveis, imediatamente aceites e ainda por cima com todo o gosto. Um deles é o que o Pedro Correia me fez: escrever um texto como convidado especial do DELITO DE OPINIÃO. Está escrito. Obrigado, Pedro.
Francisco Miguel Valada
(blogue AVENTAR)