Antes de chegar às galerias, identificaram-me com um sorriso.
Subi no magnifico elevador, conduzido por um delicado polícia.
Sentei-me nas galerias e olhei para baixo. Lá estavam os representantes da nação. Os eleitos da República. As palavras cruzadas, as ideias esgrimidas, as bandeiras nas lapelas, os passos perdidos, os aparelhos políticos. Os credos e os farsantes. Desiguais.
Inocente, segredei a um jovem cabisbaixo, companheiro de galeria :
-- Coisa linda esta democracia.
Lá em baixo também estavam os meus, pouco numerosos ainda mas a combater pela maioria que vive nos subúrbios de tudo.
Lá em baixo quase todos esquecidos de subir os olhos para as galerias, tricotavam a verve, gesticulavam poses de verniz.
De quando em vez disparavam blasfémias, partilhavam impropérios para mais tarde se abraçarem à hora do repasto. Quase todos.
Inocente, o jovem cabisbaixo, segredou-me :
-- Comigo, um dia isto será diferente.
Terminada a sessão plenária os deputados saíram como estava previsto.
O amplo salão ficou vazio, soberbo e solene. De tantas memórias.
O salão ficou vazio mas eu deixei-me ficar até ser convidado a sair pelo mesmo delicado policia.
Foi um dia que resolvi festejar em silêncio.
Procurei um restaurante no belo bairro de São Bento e sentei-me à mesa.
Serviram-me um discurso intragável.
Fechei os olhos, abri os olhos e pedi o livro de reclamações.
Levantei-me da mesa sem pagar.
Os empregados ficaram a ler o meu protesto.
Lá fora ouvi alguns aplausos, mas fiquei na dúvida quanto ao seu voto.
Dei uma volta ao quarteirão e na passagem ainda olhei para a fachada do restaurante.
Para meu espanto a porta rangeu.
Começou a abrir-se lentamente.
Era a senhora da limpeza.