Convidado: EDUARDO LOURO
Paradoxos
A comunicação é provavelmente o maior instrumento de relação ao serviço das sociedades. Sempre foi assim, mesmo quando, por dificuldades de circulação, por falta de acessos e de veículos, e até por excessos de policiamento do tráfego, disso se não dava conta.
Hoje a comunicação circula a uma velocidade estonteante, em auto-estradas de quarta geração, sem limites de faixas nem de velocidade. Sem constrangimentos de qualquer espécie - nem polícias, nem semáforos, nem rotundas, nem filas - em veículos de alta cilindrada. Toda a gente dá por ela, toda a gente percebe a sua importância.
Paradoxalmente, quando tem condições como nunca teve para se exponenciar como instrumento de relação, e mecanismo de aprofundamento da vida em sociedade, revela-se, como nunca, uma arma estratégica de destruição massiva. Literalmente. Uma poderosa arma de guerra de que ninguém abdica, em nome de coisa nenhuma.
As estratégias de comunicação sobrepõem-se a tudo e a todas as outras. Tanto mais quanto mais insondáveis forem os objetivos que se destinem a servir. Tanto mais quanto maior for a ambição de manipular, condicionar e enganar…
É assim, em especial, na política e no futebol, mas também em muitas outas áreas da sociedade. Não importa o que se faz, importa o que se diz. Os factos já não contam, contam – e cantam-se – os factos alternativos. O virtual toma conta e sobrepõe-se ao real. A substância é oca e a verdade esvazia-se na opulência da pós-verdade. Mais que reescrever a História, reescreve-se o próprio conhecimento.
É o tempo das fake news, dos Abrantes e dos Sebastiões. Dos directores de comunicação como peças centrais nas estruturas organizacionais. O tempo de cavar trincheiras à volta de dogmas, de levantar muros à volta de crenças. De semear ódios, de acentuar clivagens e de explorar o que mais primário há em cada ser humano.
Não era isto que seria suposto a comunicação servir. Não deveria ser para isto que deveriam ser utilizadas as auto-estradas que temos à mão, cheias de gente vazia de ética e auto-desobrigada dos mínimos deontológicos. Mas os dias de hoje também não são muito mais do que isso: uma sucessão de paradoxos.
Eduardo Louro
(blogue QUINTA EMENDA)